O porto de
Leixões possuía dois “colossos” metálicos. Um em cada molhe. Únicos no mundo, dois monumentais guindastes que documentam de forma privilegiada a época da
arquitectura do ferro e da energia a vapor. São igualmente testemunhas fulcrais
da própria edificação do porto – a maior obra de engenharia realizada em
Portugal no século XIX. Foi, afinal, graças aos titãs, à força e à sua avançada
decidida sobre o mar que os molhes de Leixões foram finalmente construídos no
término de oitocentos.
Depois de séculos de projectos, indefinições,
sonhos, entraves e utopias, iniciava-se a construção do porto artificial de
Leixões. Projectado pelo engenheiro Nogueira Soares, o porto foi construído
pela empresa francesa “Dauderni et Duparchy”, com um valor de adjudicação
traduzido na, para a época, fabulosa quantia de 4 milhões e 489 mil reis. E,
não obstante a complexidade de que se revestiria a edificação desta estrutura
portuária, os prazos foram cumpridos: após a entrega provisória em 1892, a
definitiva deu-se em 1895. Na base do sucesso destas obras encontram-se vários
factores. Dois deles, no entanto, são incontornáveis: a dupla dos gigantescos
guindastes movidos a vapor – os “titãs” – que, bloco após bloco, foram erigindo
sobre o fundo marinho e rochoso os molhes que definiram o porto artificial.
Havia muitos
séculos que as más condições de navegabilidade do porto do Douro vinham
demonstrando a necessidade da construção de um porto alternativo. A entrada na
barra era muito perigosa, repleta que estava de múltiplos, inesperados e
traiçoeiros penedos, muitos dos quais só ligeiramente encobertos pelas águas,
provocando contínuos e trágicos naufrágios.
A solução
passava, pois, por um porto alternativo que se localizasse muito próximo da
cidade do Porto. E, nesta perspectiva, era mais do que evidente que a foz do
rio Leça deveria ser a solução. Com efeito, desde a mais recuada Antiguidade
que não escapava à argúcia dos homens as condições privilegiadas da foz e do
estuário daquele rio como abrigo natural, graças à existência, muito próximo da
costa, de um grande número de rochedos que, descrevendo um semi-círculo no mar,
formavam como que um porto natural. Ao abrigo desse conjunto de rochedos, a que
os homens deram o nome de leixões, recorreram múltiplas embarcações desde
tempos imemoriais.
Fizeram-se vários estudos e projectos, desde meados do século XVI, mas com
particular incidência nos séculos XVIII e XIX. Mas não foi facilmente que se
convenceu a burguesia mercantil do Porto e o poder central a avançar com esta
obra. Foram precisos muitos naufrágios, grandes tragédias e inúmeros prejuízos
para que, finalmente, em 1852, após o célebre naufrágio do “Porto” se decidisse
avançar definitivamente com soluções para o problema da segurança.
Finalmente,
em 1883, o ministro das Obras Públicas, Hintze Ribeiro, apresenta na Câmara dos
Deputados a proposta de Lei autorizando o Governo a adjudicar a construção do
porto de Leixões e a responsabilizar pela elaboração do projecto definitivo o
engenheiro Nogueira Soares.
A construção
do porto artificial consistiu, fundamentalmente, na formação de uma grande
enseada, com cerca de 95 hectares, definida pela construção de dois extensos
paredões ou molhes, um quebra-mar que, elevando-se apenas um metro acima do
zero hidrográfico, prolongava em mais algumas centenas de metros aquele
paredão.
Para a
construção dos molhes artificiais, foi utilizado o granito de pedreiras
próximas, a mais importante das quais foi a do Monte S. Gens (Custóias) que se
viu ligada a Leixões por uma linha de caminho de ferro, com cerca de sete
quilómetros de extensão, construída expressamente para esse fim.
Após a
chegada das pedras aos estaleiros e oficinas, estas eram então trabalhadas e
conglomeradas dando origem aos enormes blocos graníticos que formariam os
paredões e que chegavam a atingir as 50 toneladas. Tal peso, embora pouco
prático para o manuseamento deste blocos na obra, era a garantia da futura
estabilidade e resistência dos molhes à ferocidade do mar. Mas era, de facto,
um problema. Como proceder para transportar, erguer e posteriormente depositar
no local desejado os pesadíssimos blocos graníticos?
Para
resolver esta questão a empresa construtora, a “Dauderni & Duparchi”,
encomendou às famosas oficinas francesas “Fives”, em Lille, dois gigantescos e
poderosos guindastes de ferro movidos a vapor que se deslocavam, igualmente,
sobre carris. Guindastes que, pelo seu aspecto colossal, de imediato foram
baptizados por “titãs”.
Montados em
Leixões e dirigidos durante os primeiros anos exclusivamente pelo técnico
francês Lecrit, estes potentes guindastes revelaram-se efectivamente como peças
fundamentais na construção do porto. Os titãs foram, com efeito, utilizados na
construção do próprio porto não se tratando, ao contrário do que muita gente
pensa, de guindastes para carga e descarga, embora tenham posteriormente
desempenhado também essas funções (o do molhe sul pelo menos até aos anos ’60
do século XX).
Após a
edificação dos molhes os titãs continuaram a ser utilizados nas reparações dos
paredões, na sequência de danos provocados pela acção tempestuosa do mar. De
resto, o titã do molhe norte foi, também ele, protagonista de um fortíssimo
temporal ocorrido em 1892, caindo ao
mar. Só mais de três anos depois e depois de muitos estudos e esforços, se
consegue recuperar o titã do fundo marinho, com o auxílio de potentes macacos
mecânicos assentes em barcaças. Rapidamente recuperado o gigantesco guindaste
retomará a sua actividade.
A auxiliar
desde cedo os titãs, encontrava-se um outro interessante mecanismo igualmente
movido a vapor: o aparelho para suspender blocos, popularmente designado por
“caranguejeira”. Era esta máquina que transportava um a um e através de carris
os blocos desde os estaleiros montados em terra até aos vagões que se
deslocavam posteriormente para junto dos titãs, na sua avançada decidida sobre
o mar.
Independentemente
do significado de que os titãs se revestem hoje para a história de Leixões e de
toda a região, eles possuem importância acrescida pelo seu valor como
testemunhas privilegiadas da era industrial e da arquitectura/maquinaria do
ferro. Importância tanto maior quanto o facto de, aparentemente, se tratarem de
exemplares únicos no mundo. De facto, se é verdade que os dois titãs de Leixões
tiveram outros irmãos, não é menos verdade que, nos outros casos, concluídas as
construções portuárias esses gigantes de ferro foram desmantelados. E quando
isso não aconteceu, nomeadamente na Europa, a primeira e a segunda guerras
mundiais encarregaram-se do desmantelamento tendo em conta que, desde muito
cedo, os portos marítimos foram alvos prioritários de bombardeamento.
Ao longo de
todo o século XX esta estrutura portuária continuou a crescer com a abertura de
sucessivas, alterando radicalmente a fisionomia do estuário do Leça e as velhas
margens ribeirinhas de Leça da Palmeira e Matosinhos.
O Porto de Leixões actualmente:
Joel Cleto e Suzana Faro (in O Comércio do Porto.)
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