O British
Museum, tem uma grande colecção de arte japonesa e organizou uma exposição, que titulou: Shunga: Sex and Pleasure in
Japanese Art, revisitando a arte erótica japonesa do período Edo. Uma maneira única
de representar o sexo e o prazer e onde a noção de pecado não existe.
No
“Ocidente”, sexo foi durante séculos um tabu e quem o ousasse representar
arriscava-se a uma feroz censura. Ao mesmo tempo, no Japão produziam-se
pinturas, xilogravuras e livros onde sexo explícito era o tema principal. A
arte shunga desenvolveu-se e atingiu o pico no
período Edo (1600-1868) tendo depois sido suprimida e condenada ao esquecimento.
A arte asiática na Europa suscitou uma reflexão sobre as fronteiras entre arte e
pornografia, o papel do sexo no imaginário social e à relevância da arte
japonesa num contexto mundial.
O que
caracteriza, sumariamente, a arte shunga?
É concebida
para apresentar simultaneamente tanto as expressões faciais de êxtase como os
mecanismos para essas sensações – órgãos sexuais aumentados e meticulosamente
representados.
O conteúdo e
os sujeitos das pinturas variavam. Há (muitas) imagens de sexo entre homens e
mulheres, mas também se encontram de um homem com várias mulheres, de homens
com homens, de humanos e espíritos e até de monges. Sexo entre dois homens era
algo socialmente aceite e frequente, por exemplo, entre actores de kabuki que
interpretavam papéis femininos (onnagata) e os seus patronos.
Exemplos de
arte shunga eram apreciados como arte, mantidos como manuais de instrução
(algumas peças seriam produzidas para ser incluídas nos “enxovais” femininos.
Eram mesmo oferecidos como presente.
A designação
“shunga” deriva do chinês “chun hua”, literalmente “imagens de primavera”. Há uma ligação à China. Os japoneses tinham uma longa tradição de
arte sexual explícita mas por volta do século XVI há sinais de influência da
dinastia [chinesa] Ming, onde a impressão a cores floresceu e textos eróticos
foram produzidos em quantidade”. Outra influência chinesa foram “obras médicas
sobre sexo e técnica sexual”.
Parte da
razão para a ausência de uma noção pecaminosa do sexo está, ligada ao conjunto
de crenças a que hoje chamamos Xintoísmo. Em áreas rurais do Japão havia
tradições que incluíam a veneração de representações de órgãos sexuais, vistos
como fonte de fertilidade e capazes de afastar o mal.
Uma das
facetas mais curiosas da arte shunga é a presença frequente de aspectos
humorísticos. Não só ironizava com conceitos confucionistas, como também, a nível da política, atacando o sistema Tokugawa, fazendo piadas eróticas de
figuras históricas e do teatro Noh, que era a arte ritual oficial do governo.
Segundo
o especialista Clark, “não é usual que uma cultura pré-moderna tenha tantas obras que sejam
tão artisticamente belas e bem trabalhadas, e também tão sexualmente
explícitas.” Para o curador “isto sugere uma atitude perante o sexo
substancialmente diferente do ponto de vista cultural” e a arte shunga
“encoraja-nos a repensar a divisão severa que evoluiu no Ocidente entre o que
classificamos, por um lado, como ‘arte’, e por outro o que condenámos como
‘obsceno’ ou ‘pornográfico’”.
Todos os grandes
artistas japoneses do período trabalharam temas eróticos e pornográficos, basta mencionar nomes
como Kitagawa Utamaro ou Katsushika Hokusai, cujas obras eróticas se podem
apreciar no British Museum. Da autoria do último está um dos trabalhos mais
importantes da exposição, que terá tido impacto muito para além das fronteiras
artísticas do Japão. A gravura Sonho da Mulher do Pescador (1814) é uma
intrigante e sensual representação de uma mulher em êxtase enquanto um polvo
lhe faz sexo oral e outro a beija na boca.
Com a
reunificação do país sob a égide dos xogunato Tokugawa, o Japão iniciou um
período de relativo isolamento, em que os contactos com o exterior foram
controlados, período este também conhecido como Edo (nome então dado a Tóquio,
capital do xogunato). É neste Japão feudal, organizado sob estritos códigos
morais de matriz confucionista, que a arte shunga se desenvolve. Um contraste entre uma esfera pública fortemente
regulamentada e uma esfera privada independente o suficiente para conceber e
apreciar shunga.
O período
Tokugawa é frequentemente associado também aos “distritos de prazer”, espaços
de prostituição legal de que o mais icónico era Yoshiwara, em Tóquio. No
entanto, os laços entre o comércio sexual e a arte shunga não eram tão lineares
como possa parecer e que a noção de sexo como um negócio era de compatibilidade
duvidosa com as fantasias de shunga, onde as cortesãs eram mais representadas
com os seus “amantes secretos” do que com clientes. Além disso, o objectivo da
arte shunga era “sugerir o potencial do sexo em toda a sociedade”, não apenas
entre aqueles que podiam frequentar os supracitados distritos. Quase podemos
dizer: uma versão democrática do prazer.
Embora tenha
sido ilegalizada em 1722, a arte shunga continuou a ser produzida e a circular
de forma considerável. Talvez ironicamente, é com a (re)abertura do Japão ao
mundo com a restauração Meiji (1868) – que voltou a colocar o imperador como
autoridade máxima no Japão e abriu o caminho à extraordinária modernização do
país – que a arte shunga inicia um inexorável declínio.
Depois da
Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), há uma transição entre a tradição shunga e uma
iconografia moderna. Para que o Japão fosse aceite como civilizado, o Governo
japonês tentou suprimir tradições populares nativas que considerava atrasadas
em relação à cultura de classe alta europeia. Isto incluía [teatro] kabuki,
[pintura/gravura] ukiyo-e e música de shamisen, assim como shunga”.
Em cinquenta anos, a arte shunga passava de algo comum a algo
secreto. “Desde cerca de 1900 a supressão de arte shunga tornou-se vigorosa e
por altura do pós-Segunda Guerra tinha-se tornado um tabu em universidades e
museus”.
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