De vez enquanto venho aqui, tão de vez enquanto, que já não vinha cá desde Março!
Como o tempo passa e como tudo muda! Já vim aqui todos os dias, mais que uma vez, era algo novo, entusiasmava-me, mas depois o entusiasmo foi esmorecendo.
Houve uma situação que contribuiu bastante, foi a morte de uma amiga, que criava desafios e mais tarde aconteceu o mesmo a outra e surgiram meios mais rápidos de comunicação. Lembro-me ainda aqui de outras pessoas, há algumas que só publicam esporadicamente outras deixaram mesmo de publicar! Tudo muda, mas passei bons momentos por aqui! Com certeza ainda voltarei aqui, para ler alguma coisa do que vão escrevendo.
A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»
MARTIN LUTHER KING
quarta-feira, 31 de julho de 2019
domingo, 24 de março de 2019
domingo, 3 de fevereiro de 2019
SOLIDÃO
A solidão
I
A noite abre os seus ângulos de lua
E em todas as paredes te procuro
A noite ergue as suas esquinas azuis
E em todas as esquinas te procuro
A noite abre as suas praças
solitárias
E em todas as solidões eu te procuro
Ao longo do rio a noite acende as
suas luzes
Roxas verdes azuis.
Eu te procuro.
- Sophia de Mello Breyner Andresen,
em "Cristo Cigano", 1961.
sábado, 2 de fevereiro de 2019
Uma Casa Assombrada - Virginia Woolf
A qualquer
hora que se acordasse havia uma porta que se fechava. De aposento em aposento,
lá iam eles, de mãos dadas, erguendo aqui, abrindo ali, certificando-se – um
par espectral.
“Nós o
deixamos aqui”, ela disse. E ele acrescentou: “Oh, mas aqui também!” “Está no
andar de cima, murmurou ela”. “E no jardim”, sussurrou ele. “Em silencio”,
disseram, “para não os acordar”.
Mas não era
que nos acordassem. Oh, não. “Procurem-no; estão puxando a cortina”, alguém
poderia dizer, e depois continuar lendo uma ou duas páginas. “Agora o
encontraram”, diria com certeza, parando o lápis na margem. Então, cansado da
leitura, poderia levantar-se para ver com os próprios olhos, a casa toda vazia,
as portas abertas, apenas os pombos silvestres arrulhando contentes e o zumbido
da debulhadora ressoando na herdade. “Para que vim até aqui?” “À procura de quê?” Minhas mãos estavam
vazias. “Quem sabe no andar de cima?” As maçãs estavam no sótão. E então descia
de novo, o jardim tranquilo como sempre, somente o livro havia escorregado em
direção à grama.
Mas
encontraram-no na sala de estar. Não que alguma vez se pudesse vê-los. As
vidraças das janelas reflectiam maçãs, reflectiam rosas; todas as folhas no vidro
eram verdes. Se entrassem na sala, a maçã voltaria apenas seu lado amarelo.
Todavia, um instante depois, caso a porta se abrisse, espalhado no soalho,
suspenso junto à parede, pendente no teto – o que? Minhas mãos estavam vazias.
A sombra de um tordo cruzou o tapete; dos mais profundos poços de silencio o
pombo extraiu o som do seu arrulho. “Salvo, salvo, salvo”, bateu lentamente o
pulso da casa. “O tesouro sepulto; o quarto…” — parou de súbito o pulso. Oh,
era aquilo o tesouro sepulto?
Um instante
mais tarde a luz desmaiou. No jardim, então? Mas as árvores teceram a escuridão
para um raio de sol errante. Tão belo, tão raro, friamente imerso na
superfície, o raio que eu buscava sempre ardeu atrás da vidraça. Morte era a
vidraça; a morte estava entre nós; viera primeiro à mulher, há centena de anos,
deixando a casa, lacrando todas as janelas; os aposentos em penumbra. Ele
deixara a casa, deixara-a, fora para o norte, para o leste, vira as estrelas
arqueadas no céu do sul; procurou a casa, encontrou-a em abandono sob os Downs.
“Salvo, salvo, salvo”, bateu satisfeito o pulso da casa. “É seu o tesouro”.
O vento ruge
alameda acima. As árvores curvam-se e recurvam-se aqui e ali. Raios de luar
chapinham e se espalham impetuosamente com a chuva. Mas o raio de luz do
lampião incide recto através da janela. A vela queima direita e imóvel. Vagando
pela casa, abrindo as janelas, sussurrando para não nos acordar, o par
espectral procura o prazer.
“Aqui
dormimos”, ela diz. E ele acrescenta: “Beijos sem conta”. “Acordando de
manhãzinha” — “Prata entre as árvores” — “No andar de cima” — “No jardim” —
“Quando vinha o verão” —“Quando nevava no inverno”. — As portas vão se fechando
remotas, batendo suavemente como o pulsar de um coração.
Aproximam-se
mais; param à porta. O vento amaina, a chuva desliza prateada pelo vidro.
Nossos olhos se turvam; não ouvimos passo algum perto de nós; não vemos dama
alguma estender seu manto espectral. As mãos dele resguardam a lanterna:
“Olhe”, sussurra. “Parecem dormir. Há amor nos seus lábios”.
Inclinando-se,
sustendo sobre nós a lâmpada de prata, olham por longo tempo, e profundamente.
Por longo tempo imóveis. O vento segue seu curso; a chama hesita levemente.
Raios impetuosos de luar cruzam o soalho e a parede, e, encontrando-os, mancham
os rostos inclinados; os rostos que meditam; os rostos que sondam os que dormem
e buscam o prazer oculto.
“Salvo,
salvo, salvo”, bate com orgulho o coração da casa. “Longos anos”, suspira ele.
“De novo me encontraram”. “Aqui”, murmura ela, “dormindo; no jardim lendo;
sorrindo, rolando maçãs no sótão. Aqui deixamos o nosso tesouro”. Baixando, a
luz levanta-me as pálpebras. “Salvo! Salvo! Salvo!” Bate com ímpeto o pulso da
casa. Despertando, exclamo: “Então é este o seu tesouro sepulto? A luz no
coração!”
quinta-feira, 31 de janeiro de 2019
SAI DO COMBOIO (ÁLVAROCAMPOS/FERNANDO PESSOA
SAÍ DO COMBOIO
Saí do comboio,
Disse adeus ao companheiro de viagem
Tínhamos estado dezoito horas juntos..
A conversa agradável
A fraternidade da viagem.
Tive pena de sair do comboio, de o deixar.
Amigo casual cujo nome nunca soube.
Meus olhos, senti-os, marejaram-se de lágrimas...
Toda despedida é uma morte...
Sim toda despedida é uma morte.
Nós no comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.
Tudo que é humano me comove porque sou homem.
Tudo me comove porque tenho,
Não uma semelhança com ideias ou doutrinas,
Mas a vasta fraternidade com a humanidade verdadeira.
A criada que saiu com pena
A chorar de saudade
Da casa onde a não tratavam muito bem...
Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo.
Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração.
E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro.
4-7-1934
Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa.
(Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita
Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 187.
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FERNANDO PESSOA - ÁLVARO CAMPOS
DIVAGAÇÃO...
Entrei com receio, devagar, olhando para um lado e para o outro….
Depois fiquei estática...pensando…
-Tem cuidado com o caixote esmurras a parede!
O outro olhou-o com desdém, pousou o caixote no chão, tirou
do bolso um farrapo e limpou o rosto suado.
-Anda lá o tempo não para! Ainda falta meter no armazém
muitos caixotes, queres fazer serão?
O outro olhou-o, virou-se e caminhou para a porta.
-Onde vais?
-Beber uma cerveja e fumar um cigarro.
-Vou-te fazer a folha!
-Mas você acha que eu sou um escravo. há mais de duas horas
nisto? Escravo é você, que faz esse trabalho de humilhar os outros, para ganhar
uma merda!
-Vai-te embora e não voltes, não te quero ver pela frente!
-E quem carrega os caixotes?
O outro não respondeu e na secretária começou a mexer nos
papeis.
A porta bateu, ao ar livre, pensativo ficou a olhar sem ver
nada, levando de quando em quando a garrafa à boca. Acendeu um cigarro
calmamente. Depois levantou-se, pegou num caixote e entrou.
O outro continuava debruçado sobre os papeis. Não se
olharam.
Nas suas idas e vindas, às tantos o outro saiu e começou
também a carregar caixotes.
Quando tudo terminou já era noite.
-Boa Noite!
E o outro:
-Até amanhã!
Eu saí atrás.
O armazém agora é um pardieiro silencioso, abandonado, sem
telhas, nem vidros, as pombas batem as asas, todo o chão está cheio de
excrementos de pombas, há um fedor acre que se introduz nas narinas,
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