A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»

MARTIN LUTHER KING




segunda-feira, 30 de abril de 2012

PERAMBULAR


Chegou e deslumbrou-se com as flores amarelas, que sentiu como colorida brisa nos olhos, carícia de pétalas acetinadas e o mar lá mais adiante, um mar imenso, azul, onde as nuvens, véus vaporosos, se espelhavam.



O seu olhar fixou-se na delimitação do mar e da terra, naquele ponto onde confluíam emoções e um ténue tremer do corpo evadiu-a, suspendendo-lhe os gestos!
Caminhou até ao bar, para lentamente, absorta das pessoas, sorver um café concentrando-se nas ondas, no ruído sincopado do vai e vem, riscado na areia.


Barcos, mar…lembrou-se, que quando passou no cais, viu uma grande armação de ferro vermelho e sobre esse vermelho, pintadas a preto, frases de Pessoa, passaram-lhe rapidamente pelos olhos, mas lembra-se desta, da Ode Marítima do Álvaro de Campos.

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra! 


Caminhou pelo passadiço, sem sentir os pés no chão toda envolvida em fantasias, como Penélope tecendo em fio fino as voltas e contravoltas de um rendilhado de sonhos, sempre feito e desfeito, olhos cravados no infinito.

Cansou-se e entre rochas sentou-se olhando de vez enquanto a pequena praia, ali a seus pés, intercalando com a leitura do seu livro de companhia.



Nova Iorque era um espaço inesgotável, um labirinto de passos intermináveis; mas independentemente da distância que percorresse, independentemente de se ter familiarizado com as vizinhanças e as ruas, ficava sempre com a sensação de estar perdido. Perdido, não apenas na cidade, mas também dentro de si. Sempre que dava um passeio, sentia-se como se se deixasse a si próprio para trás, e entregando-se ao movimento das ruas, reduzido a um olho que vê, conseguia escapar à obrigação de pensar, e isto, mais de que qualquer outra coisa, trazia-lhe uma certa paz, um salutar vazio interior. O mundo estava no exterior de si, à sua volta, perante si, e a velocidade com que o mundo mudava impossibilitava-o de se prender por muito tempo a uma única coisa. O movimento era a essência, o acto de pôr um pé adiante do outro e seguir a errância do seu próprio corpo. Todos os lugares se tornavam semelhantes caminhando assim sem destino, e deixava de ter importância o sítio onde se encontrava, estava em sítio algum. E isto, afinal, era tudo que pedia às coisas: não estar em sítio algum.

A Triologia de Nova Iorque – Paul Auster


Olhou à volta o sítio onde estava, estava ali naquele sítio, um sítio bem longe da cidade, mas perto de Nova Iorque e próximo de todos os sítios de ilusão, não estando em sítio algum!


Em frente a capela da Boa Nova, onde num rochedo, estava cravada uma placa, que tinha escrito:



Na praia lá da Boa Nova, um dia,


Edifiquei (foi esse o grande mal)

Alto Castelo, o que é a fantasia,

Todo de lápis-lazúli e coral!





E sentiu essas palavras escritas outrora, nesse agora onde as palavras carregadas de emoções sempre ecoam!




quinta-feira, 26 de abril de 2012

ADEUS MIGUEL!

Morreu um homem justo


Há dois tipos de acontecimentos sobre que evito escrever: efemérides e notícias necrológicas. Há, porém, efemérides inevitáveis e mortes que é impossível omitir. O 25 de Abril é uma dessas efemérides e a morte de Miguel Portas, num momento em que o país mais precisa de homens lúcidos e livres, um desaparecimento que justificaria que se dissesse que ficámos, se possível, ainda mais pobres, não se tivesse tornado tal expressão um cliché fruste sem réstia de literalidade.
Ao todo, terei convivido com Miguel Portas umas poucas de dezenas de horas. Foi o suficiente para me aperceber de um homem de justa inteligência, grande seriedade intelectual e, ao mesmo tempo, de sentido de humor contagiante, coisas praticamente impossíveis de encontrar juntas num político, além do mais um dirigente partidário. Só alguém como ele teria sido capaz de, apesar de todas as nossas divergências, me convencer a aceitar episodicamente (e imprudentemente) ser mandatário de um projecto partidário. Quis eu então acreditar que tal projecto fosse à imagem de Miguel Portas. Não era, como rapidamente e sem surpresa descobri.
Conta-se que Camões, sabendo no leito de morte da catástrofe de Alcácer Quibir, terá dito: "Morro com a Pátria". Miguel Portas não teria gostado da duvidosa palavra "Pátria", mas morreu também quando Portugal se afunda num desastre não menos catastrófico para a independência nacional do que o de Alcácer Quibir.
Manuel António Pina JN

terça-feira, 24 de abril de 2012

NA PRAÇA DA LIBERDADE


Impossível esquecer o 25 de Abril de 1974, foi um impacto tão forte, que se não soubesse o que sei, podia bem ter acontecido ontem, vivos que estão em mim todos os seus detalhes e pormenores. Era jovem, cheia de sonhos e senti a euforia a arder nas veias. Em minha casa entrou o sorriso, de um momento para o outro, os olhos ficaram brilhantes, o envolvimento no desenrolar dos acontecimentos agitava as paredes, abria as portas. A Praça da Liberdade era um local de muita passagem, as pessoas queriam ver, sentir as outras, serem as primeiras a ler os placards das últimas notícias e ficar entre desconhecidos/amigos, a comentar. Os anseios manifestados nas conversas na penumbra, podiam ser partilhados à luz do dia!
As canções explodiram na praça:

As canções explodiram na praça:
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
…/…
E agora, o povo ergue-se e luta
Com voz de gigante, gritando avante
O povo unido jamais será vencido…

…/…
       «Só há liberdade a sério quando houver 
       A paz, o pão, habitação; saúde, educação 
        …/…

 
E podia continuar e fazer uma grande explanação, sobre o vivido e a realidade angustiante de hoje, 38 anos decorridos depois da Revolução dos cravos, mas estou cansada de palavras, cansaram-me de palavras que eu não queria ouvir! Recolho-me ao silêncio, deito-me ainda no sonho, com as janelas fechadas ao caos, meus olhos gotejam vendo as imagens que guardo dentro de mim!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

LIVROS

Nas estantes os livros ficam 
(até se dispersarem ou desfazerem) 
enquanto tudo 
passa. O pó acumula-se 
e depois de limpo 
torna a acumular-se 
no cimo das lombadas. 
Quando a cidade está suja 
(obras, carros, poeiras) 
o pó é mais negro e por vezes 
espesso. Os livros ficam, 
valem mais que tudo, 
mas apesar do amor 
(amor das coisas mudas 
que sussurram) 
e do cuidado doméstico 
fica sempre, em baixo, 
do lado oposto à lombada, 
uma pequena marca negra 
do pó nas páginas. 
A marca faz parte dos livros. 
Estão marcados. Nós também. 

Pedro Mexia, in "Duplo Império"

Zola - Manet
 

sexta-feira, 20 de abril de 2012

GOETHE


Viver o Dia-a-DiaSou forçado a considerar que o pior mal dos nossos dias, aquele que não permite que nada chegue a amadurecer, reside no facto de os homens deixarem que cada momento se consuma completamente no momento seguinte, que o dia se esgote em si mesmo, ou seja, em viverem exclusivamente o dia-a-dia sem qualquer perspectiva de futuro. 
 
A Repugnância Pela MaioriaNada é mais repugnante que a maioria. Porque a maioria é constituída por uns quantos precursores dotados de grande força, por tratantes que se acomodam, por fracos que se vão assimilando e pela massa que se deixa arrastar sem saber minimamente o que quer. 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

ENSAIO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA EUROPA, de Jürgen Habermas um dos mais importantes pensadores contemporâneos.

 
O filósofo alemão, trata de questões tão na ordem do dia e mesmo no imediato decisivas, no seu «brechtiano» impulso de melhorar a Europa e o mundo.
Neste ensaio, Jürgen Habermas defende a Europa a partir do cepticismo crescente. Apresenta como alternativa a transnacionalização da democracia, colocando o processo de unificação dentro de um novo contexto civilizacional e de uma nova codificação do poder estatal.
À luz da actual crise do Euro e da reacção hesitante dos políticos, o fracasso do projecto europeu parece uma possibilidade. Hoje, todos falam do erro de construção de uma união monetária à qual faltam as necessárias competências políticas de controlo.


Jürgen Habermas, é um desassossegado utópico de longo curso, que revela a sua maior inquietação, como um grito de alma:
«A minha maior preocupação é a injustiça social, que brada aos céus, e que consiste no facto de os custos socializados do falhanço do sistema atingirem com maior dureza os grupos sociais mais vulneráveis. A injustiça social paga-se, não com dólares, libras ou euros, mas com a moeda forte da existência quotidiana. Longe de ser uma precipitação transitória do sistema, a injustiça ameaça resvalar para um destino punitivo global. Toda esta tragédia humana – este escândalo político, este «darwinismo social», este programa de submissão desenfreada do mundo da vida aos imperativos do mercado – é acompanhado de um enfado com a política ao qual não é alheia a ascensão ao poder de uma geração desarmada em termos normativos incapaz de assumir objectivos, causas e esperanças.»

Livro, sem dúvida a ler, depois de ter lido no JL o Prefácio, comentado por: José Joaquim Gomes Canotilho.