A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»

MARTIN LUTHER KING




quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

«MINHA IDEIA É O MEU PINCEL» - ANTÓNIO POTEIRO «BUMBA MEU BOI»

Bumba meu boi - António Poteiro

Citadina desde que nasci, sempre acalentei o sonho de viver numa aldeia. A primeira casa onde me lembro de ter vivido no Porto, ficava nos seus limites. As pessoas conheciam-se entre si, existia um espírito de solidariedade, os carros de bois ainda passavam pela rua e as rodas chiavam nas linhas dos eléctricos. O ambiente não era citadino, nem rural, mas tinha campos e gado a pastar. Naquela altura, quando se decidia ir ao centro da cidade, dizia-se vamos ao «Porto», quando no Porto já estávamos! Presentemente os campos desapareceram por completo e a paisagem cobriu-se de betão.



Anos depois fui viver para mais perto do centro da cidade e o bucolismo ficou, eu gostava de mexer na terra, gostava dos animais…e fiquei sempre com aquela ideia de que o que era bom era viver numa aldeia! Claro que para as pessoas mais chegadas era uma risota, gozavam comigo.


-Sabes lá o que é viver numa aldeia!?...Em poucos dias enchias-te!.. Conseguias lá passar sem o que tens na cidade! E depois dedicavas-te à lavoura? Estou a ver-te de chapéu de palha e de galochas a chafurdar na bosta!.. O que tem uma aldeia que te encante?


- Numa aldeia a vida é mais simples, mais em contacto com a natureza, mais pura!


-Isso é sonho, não me parece que gostasses de te levantar com as galinhas!..Mais simples!.. E a falta de estruturas que há? Em contacto com a natureza!.. Lembra-te das grandes borrascas, viver numa aldeia no Inverno é uma tristeza completa! Mais pura!.. Só se for de poluição, porque se te referes ao relacionamento humano, as pessoas sabem da vidinha toda umas das outras, também não têm mais que fazer!..Tu és uma lírica!..


Bem a aldeia ficou adiada, mas ter uma casa na aldeia para ir lá de quando em quando foi sempre um sonho! Quando as pessoas em certas épocas festivas diziam: vou passar uns dias há minha aldeia, ficava cá com uma tristeza «só eu não tenho uma aldeia»! A minha aldeia tem muitas casas, muitos automóveis a rolar e muita agitação!..


Tive uns convites, para férias, fins-de-semana em sítios que eu considerava paradisíacos, mas com os seus inconvenientes. Em Portuzende, lá para os Trás-os-Montes, lembro-me de estar na cama e ouvir arranhar no tecto! O que é isto? São os ratos! Tenho medo, os ratos comem as orelhas! De outra vez em Carrazeda de Anciães vim de lá feita um Cristo, toda mordida pelos mosquitos! E tomar banho? Era de bacia! E sanita? Era ao fundo do quintal! Lembro-me de ter estado também em Vila Meã e tínhamos que defender o caldo verde com unhas e dentes, as moscas vinham em voo desatinado e mergulhavam na tigela, então diziam, tira as moscas e come, estas moscas são saudáveis! Ó comes!..Mas de facto inchava por lá, a comida era especial, o vinho caseiro, a sopinha… ai a sopinha! Ia-se à horta colher as couves fresquinhas! E os frangos de pica no chão? Depois ia-se lá para a Junta ou qualquer coisa no género e tudo cantava e dançava! Enfim como em tudo, há coisas boas e coisas más! Vou-me contentando com a casa que já foi mais rural do que é agora, ali para os lados de Grijó, que tem terra, não tem ratos, nem mosquitos e moscas, mas não cheira a bois, nem a porcos!


Este quadro leva-me para a minha aldeia sonhada, quadro pintado por um ingénuo (näif), que pinta quase sempre o ideal e não o real! Casas simétricas, a igreja, árvores alinhadinhas, dia de festa…aqui a festa é do Bumba meu Boi, eu fui ver o que era! Tem a ver com uma representação popular de uma lenda de um casal de trabalhadores rurais. A mulher grávida tem desejos de comer língua de boi e o homem rouba o boi ao patrão, o boi morre e ressuscita e tudo acaba em cantos e danças, comes e bebes! É assim? Mas que importa vou continuar a sonhar com a minha aldeia!...




Blogagem Coletiva proposta pela amiga Glorinha de Leon do Blog Café com Bolo, intitulada "Minha idéia é meu pincel".


Esta é a última blogagem que tinha por objectivo, divagar sobre certos quadros. Aproveito para agradecer à Glorinha Leão as sucessivas ideias que tem tido para as blogagens colectivas, na intenção de criar ligações entre os bloguistas com um tema em comum. Espero que novas ideias possam surgir, na mente dessa incentivador da interacção e aqui lhe deixo um grande xi-coração.

24 comentários:

Unknown disse...

Manuela

Adorei a sua participação e identifiquei-me de forma indirecta.

Sempre senti a nostalgia, não de uma casa na aldeia, mas sim da nossa noção (portuguesa) de 'ir à terra', que você bem sabe que usamos. Não sei como se dirá no Brasil.

A 'minha terra' é a Ilha de Moçambique, no norte do país com o mesmo nome, no Oceano Índico. Vivendo em Portugal, não se vai à terra, à minha terra,assim num fim de semana.

Essa é a minha saudade e a minha pena, quando chegam aquelas épocas do ano em que as pessoas dizem: vou à terra.

Eu não posso dizer isso.

Beth/Lilás disse...

Querida Manuela!
Que texto fantástico você nos brindou nesta manhã de verão que se aporta aqui!
Parecia que eu lia um Saramago com suas palavras diferentes das nossas, mas que entendemos plenamente o sentido.
Fostes a fundo na idéia, buscaste o teu sentimento com relação à tela e é bem isto que acontece quando a vontade de morar no interior é ofuscada com a realidade do local.
Adorei. Tú és nota dez!
beijinhos cariocas

pensandoemfamilia disse...

Amei, colocou-se em seus sonhos.
Viver na calma aldeia, contato com a natureza e com as diversas cores que nos proporciona como as telas naif.
Parabéns pela sua participãção.
bjs.

Lúcia Soares disse...

Muito bom, Manu. Como todas as outras.
Eu, ao contrário, não gosto do campo senão para rápidas visitas...
Mas sei bem o quanto a terra é preciosa e o quanto nos faz bem trabalhar nela, por prazer.
O bumba-meu-boi é uma das maiores representações do folclore brasileiro e é uma festa de cores e beleza, na sua simplicidade.
beijos!

Cristina Paulo disse...

Manuela, gostei muito desta partilha! Eu passei parte da minha infância numa aldeia...não sei se hoje seria capaz de viver numa aldeia isolada...mas numa aldeia perto de uma vila maior, com acessos, com estrururas...ahhh sem dúvida que era capaz!
Namasté

Glorinha L de Lion disse...

Manu, estou aqui com meus olhos a pingar lágrimas de emoção! Que encanto de texto! Eu, que já morei em lugares assim, como descreveste tão bem, mas não com moscas ou mosquitos,rsrs, mas com gambás (um tipo de marsupial) que andavam pelo forro da casa, fazendo enorme barulho à noite... me fez lembrar da casa em que morei em Penedo, cidade turística, mas que há quase trinta anos atrás, era quase uma aldeia...aqui chamamos "roça" ou "interior". Tua escrita é primorosa, digna dos melhores contadores de estórias...davas uma boa contadora das estórias de Portugal...Preciso dizer que te amo, minha amiga? Preciso dizer que me encanto lendo os teus dizeres tão teus? Com palavras típicas daí da terrinha, mas que consigo entender o significado assim com entendes as minhas...Manu, encheste meu coração de alegria, como essa tela. Que representa a união da sensibilidade com a simplicidade. Como nossa amizade! Xi coração, minha amiga, sou mais do que grata a ti e a todos os meus amigos que souberam entender e ter olhos "de ver" com o coração...beijos imensos daqui, d'além mar, destas terras brasileiras.

Anónimo disse...

Sonha minha amiga, sonha... e enche teu coração de alegria. É o sonho que nos mantém vivas. Que texto primoroso! Parabéns
Manu, e obrigada pela beleza das palavras que sabes alinhar tão bem. Bjsssssss

orvalho do ceu disse...

Olá, querida Manu
Vc se reportoou ao lugar da infância... e eu aonde vivi por dez anos... Interessante!!! Muitos vimos a grande festa...
E, por falar em festa, passa amanhã no meu blog IDADE que tem sorteio pra quem particpou dessa Coletiva... Vou esperar vc, tá?
Texto seu muito bem escrito. Parabéns!!!
Abraços fraternos e bjs de paz.

Julia disse...

Oi Manuela
tudo bem?
Também vou participar do amigo secreto promovido pela Ester, do Uni ver sos.
Gostei bastante das frases acima, do MARTIN LUTHER KING.
Um abraço.

Nilce disse...

Muito bom o seu texto Manu.
Também tenho saudades do campo, da liberdade que se vive, dos animais.
Mesmo em cidade pequena vivo fechada em apartamento e a vida desaparece porque não há o quintal, nem o pomar, muito menos a horta.
Lindas lembrabças do seu passado, revistas através da tela.

Bjs no coração!

Nilce

chica disse...

Que coisa linda e vi ontido o desejo de uma "aldeia" tranquila, simples e depois, senti o medo dos ratos,rsrsr...

Adorei tua participação!beijos,tudo de bom,chica

Sandra Gonçalves disse...

Que lindo amiga...Eu sempre sonhei viver em um sitio, e é isso que ainda vou fazer. Linda demais sua participação na blogagem
Bjos achocolatados

lolipop disse...

Boa noite Manuela!
Esta é a primeira das participações nesta blogagem colectiva, que leio hoje. De facto todos temos uma visão romântica dum ambiente ligado á natureza mas sem defeitos. Insectos q.b., cheiros só de flores...calma, silêncio...um quadro bucólico e pastoril de postal e...de sonhos.
Como disse, há vantagens e desvantagens...mas é bom sonhar com uma casa na aldeia, ou no campo...mas sem ratos nem mosquitos.
Não conhecia essa história do bumba meu boi...
Bonita participação.
BEIJOSSS

Unknown disse...

Manú á quem diga por aí que preferia ser o primeiro na aldeia do que o segundo em Roma e eu estou de acordo,pois quem tem uma aldeia tem tudo,até tem bom dia imagina.
Amei o teu texto está fantástico.

Beijo.

Isadora disse...

Manu, tenho um sonho parecido com o seu. Ir para alguma aldeia próxima e poder ter essa vida mais em contato com a natureza, onde o tempo passa devagar e podemos por algumas vezes puxar uma cadeira, na varanda e apenas contemplar o tempo, a vida.
Um beijo

Suziley disse...

Linda postagem Manú, parabéns!! Belo sonho com a aldeia ideal!! Boa noite, beijos :)

anamar disse...

Passo só a deiar um beijo... estou longe e sem muita net...
Ana

Unknown disse...

Manu, querida!

Que deliciosa e emocionante leitura!
Linda participação!

Parabéns!

Beijos
Lia
Blog Reticências...

Ana Echabe disse...

Hum...tbm gosto de lugares assim em meio a natureza...
Sobre uma aldeia desta, penso que sim e ainda podes conhecer até pq é típico do nordeste brasileiro, mais precisamente de onde veio a lenda do “Bumba meu Boi”, claro foi adaptada pelos indígenas da época
“ que tiveram aulas de coreografia com os jesuítas”,rs.
Enfim, mais precisamente no Piauí a arquitetura é como esta arte naif , e muito procurada pelos turistas pois ela representa através da cor a alegria do povo.
Puxa Manuela vc sempre trás assuntos que me atraem, em sua maioria, mas só há um problema a falta de tempo pra lhe acompanhar, são quase todos os dias um post novo.
aff...maaaria.corrida doida.essa menina.
Bjinhos.

Lilá(s) disse...

Curioso! parecia ter sido eu a escrever este texto! desde criança sonho esse "viver na aldeia", todos os meus amigos íam de férias á aldeia e eu ficava sonhando, sonhando...claro que hoje em dia no meu sonho de aldeia, haverá uma casinha com aquecimento central etc...etc...
Bjs

Duarte disse...

Sinto-me totalmente identificado com aquilo que expressas. A mim passou-me precisamente o mesmo.
Mas não só a nós. Vejo que aqui em Valência passa o mesmo. As pessoas que moram na zona marítima, que é a mesma cidade, quando vão ao centro dizem que vão a Valência.

Aldeia propriamente dita, não, só se fosse para passar uma temporada curta. Mas gosto de ir ao campo, ao monte e passear à beira mar.

Bom fim de semana e um forte abraço

Bombom disse...

Manú, fizeste-me lembrar um dos meus sonhos de menina. Nascida em Lisboa, também não tinha "terra" e tinha muita pena. A minha Mãe, que gostava muito da vida do campo, contava-nos maravilhas. E fui crescendo, sempre a amar a ruralidade idealizada. Quando casei, ganhei uma "terra" numa aldeia de Castelo Branco onde ia passar as férias e onde "carregava baterias" quando tive uma depressão. O que contas da tua infância no Porto, também me fez lembrar as visitas anuais em férias aos meus Tios que aí viviam. Talvez por isso, ainda hoje tenho boas recordações das viagens de combóio, da chegada a Vila Nova de Gaia, do atravessar da Ponte de D. Maria, dos barcos rabelos no Douro carregados de Pipas de Vinho do Porto...Memórias de tempos felizes! Só por isso, obrigada! E também à Glorinha que nos trouxe tantas imagens escritas ou desenhadas. Estão todos de Parabéns! Bjs. Bombom

Maria Letr@ disse...

Estou encantada, Manuela, com este seu texto. Conheço todos aqueles locais, que referiu, nomeadamente Carrazeda de Anciães. Um dia, fui de visita a Izeda, onde havia a festa da aldeia, nesse dia. Eramos 4 jovens. Do cimo dum monte, montadas em 4 burros, olhámos a maravilhosa paisagem. Lá em baixo, muitas pessoas divertiam-se já, dançando ao som da música ritmada, tocada por uma banda do local. Quando lá chegámos, a senhora que nos esperava, radiante de alegria, disse-nos:
-"Eu sabia que vomessês estavam a chegar! Quando eu vi aquelas 4 bestas no cimo do monte, vi logo que eram vocês!
Que tal este cumprimento?
Nunca mais poderei esquecer esse dia tão feliz, nem as deliciosas azeitonas com a broa feita por aquela senhora tão simples e tão simpática.
Beijinhos, Manuela

Malu Machado disse...

Manu, querida,

Também eu cresci em aldeia de muitos, muitos carros.

Mas passava as férias em casa de vó. Se tiveres tempo e interesse, vai encontrar muitos escritos meus no meu blog sobre a aldeia da minha vó.

O bom é que no mundo de hoje sinto um movimento para se morar com mais tranqüilidade de vida, mas mantendo um certo conforto. Como morar em uma aldeia com internet, por exemplo.

é uma nova percepção de mundo. Quem sabe você ainda acha a sua aldeia? O pensamento tem força.

Um grande beijo,