Toda a noite o vento uivou, gemeu…toda a noite as persianas bateram…ruídos estranhos me sobressaltaram…sentia em mim os ventos a açoitarem-me…um desconforto entranhado…pensei no prenúncio de Primavera que me andava a pintar a alma…as flores que um sol frio fez rebentar aqui e ali e que andei a captar…derrubadas…caídas…pétalas levadas sem destino…no redemoinho da incerteza…que por um lapso de tempo alegraram meus olhos cansados e cheios de Inverno…
Redenção
I
Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n'um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento...
.
.
Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?
.
.
Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.
.
.
E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha...
Almas irmãs da minha, almas cativas!
II
Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares...
.
.
Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D'esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares...
.
.
Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,
.
.
Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão...
E acabará por fim vosso tormento.
Antero de Quental, in "Sonetos"
6 comentários:
Bom dia, Manú querida!
Olha, por aqui o vento esta noite deve ter sido um resquício deste daí, mas foi tão maravilhoso, acalmou a caloria desses dias tórridos e batia em minha nuca enquanto estava na internet, foi uma delícia, nem ventilador ou ar condicionado faz o mesmo efeito que este vento alentador.
Mas o daí, ao que parece, foi a briga do inverno com a primavera, lutando bravamente para chegar ao continente europeu.
Hummm, pressinto que novos tempos estão a chegar, que delícia!
Amo a primavera e mais ainda o outono que está pertinho por aqui.
beijinhos cariocas
Lindo poema, fotos lindíssimas e o vento sabe muito bem se fazer sentir e norar...beijos,chica
Manu
Sua palavras me emocionaram faz lembrar de uma canção de DorivaL Caymmi que se chama Prece ao vento
Quem dera eu podesse ser as lentes de primavera para seus olho por todas as estações.
Bjnhos com todo carinho que por guardo
Manu,
Os sonetos são indiscutivelmente lindos, bem construídos, mas, permeados de tristeza, e de solidão.
Grande abraço
Socorro Melo
Lindo!!!a noite que uiva, que geme de prazer ou tormento...tanto faz...noite de temporal e loucura...talvez seja a Primavera a chamar por ti...
as ilustrações estão óptimas!!!
As vozes de Antero são preciosas, deliciosamente perturbadoras...
Beijos
Essa primavera foi uma ilusão...
Há árvores enganadoras...
Beijinho
Ana
Enviar um comentário