A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»

MARTIN LUTHER KING




sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

ARTE SHUNGA


O British Museum, tem uma grande colecção de arte japonesa e organizou uma exposição, que titulou: Shunga: Sex and Pleasure in Japanese Art, revisitando a arte erótica japonesa do período Edo. Uma maneira única de representar o sexo e o prazer e onde a noção de pecado não existe.


No “Ocidente”, sexo foi durante séculos um tabu e quem o ousasse representar arriscava-se a uma feroz censura. Ao mesmo tempo, no Japão produziam-se pinturas, xilogravuras e livros onde sexo explícito era o tema principal. A arte shunga desenvolveu-se e atingiu o pico no período Edo (1600-1868) tendo depois sido suprimida e condenada ao esquecimento. A arte asiática na Europa suscitou uma reflexão sobre as fronteiras entre arte e pornografia, o papel do sexo no imaginário social e à relevância da arte japonesa num contexto mundial. 

O que caracteriza, sumariamente, a arte shunga?

É concebida para apresentar simultaneamente tanto as expressões faciais de êxtase como os mecanismos para essas sensações – órgãos sexuais aumentados e meticulosamente representados.

Nas gravuras tinham também grande importância os têxteis, quer os das vestes das figuras quer os da roupa de cama ou outros. Surgem também objectos alusivos ao luxo dos intervenientes, como utensílios de fumo ou de preparação de chá ou saké e mesmo livros eróticos. 

O conteúdo e os sujeitos das pinturas variavam. Há (muitas) imagens de sexo entre homens e mulheres, mas também se encontram de um homem com várias mulheres, de homens com homens, de humanos e espíritos e até de monges. Sexo entre dois homens era algo socialmente aceite e frequente, por exemplo, entre actores de kabuki que interpretavam papéis femininos (onnagata) e os seus patronos.

Exemplos de arte shunga eram apreciados como arte, mantidos como manuais de instrução (algumas peças seriam produzidas para ser incluídas nos “enxovais” femininos. Eram mesmo oferecidos como presente.

A designação “shunga” deriva do chinês “chun hua”, literalmente “imagens de primavera”. Há uma ligação à China. Os japoneses tinham uma longa tradição de arte sexual explícita mas por volta do século XVI há sinais de influência da dinastia [chinesa] Ming, onde a impressão a cores floresceu e textos eróticos foram produzidos em quantidade”. Outra influência chinesa foram “obras médicas sobre sexo e técnica sexual”. 

Parte da razão para a ausência de uma noção pecaminosa do sexo está, ligada ao conjunto de crenças a que hoje chamamos Xintoísmo. Em áreas rurais do Japão havia tradições que incluíam a veneração de representações de órgãos sexuais, vistos como fonte de fertilidade e capazes de afastar o mal.

Uma das facetas mais curiosas da arte shunga é a presença frequente de aspectos humorísticos. Não só ironizava com conceitos confucionistas, como também, a nível da política, atacando o sistema Tokugawa, fazendo piadas eróticas de figuras históricas e do teatro Noh, que era a arte ritual oficial do governo.

Segundo o especialista Clark, “não é usual que uma cultura pré-moderna tenha tantas obras que sejam tão artisticamente belas e bem trabalhadas, e também tão sexualmente explícitas.” Para o curador “isto sugere uma atitude perante o sexo substancialmente diferente do ponto de vista cultural” e a arte shunga “encoraja-nos a repensar a divisão severa que evoluiu no Ocidente entre o que classificamos, por um lado, como ‘arte’, e por outro o que condenámos como ‘obsceno’ ou ‘pornográfico’”.
Todos os grandes artistas japoneses do período trabalharam temas eróticos e pornográficos, basta mencionar nomes como Kitagawa Utamaro ou Katsushika Hokusai, cujas obras eróticas se podem apreciar no British Museum. Da autoria do último está um dos trabalhos mais importantes da exposição, que terá tido impacto muito para além das fronteiras artísticas do Japão. A gravura Sonho da Mulher do Pescador (1814) é uma intrigante e sensual representação de uma mulher em êxtase enquanto um polvo lhe faz sexo oral e outro a beija na boca.




Com a reunificação do país sob a égide dos xogunato Tokugawa, o Japão iniciou um período de relativo isolamento, em que os contactos com o exterior foram controlados, período este também conhecido como Edo (nome então dado a Tóquio, capital do xogunato). É neste Japão feudal, organizado sob estritos códigos morais de matriz confucionista, que a arte shunga se desenvolve. Um contraste entre uma esfera pública fortemente regulamentada e uma esfera privada independente o suficiente para conceber e apreciar shunga.

O período Tokugawa é frequentemente associado também aos “distritos de prazer”, espaços de prostituição legal de que o mais icónico era Yoshiwara, em Tóquio. No entanto, os laços entre o comércio sexual e a arte shunga não eram tão lineares como possa parecer e que a noção de sexo como um negócio era de compatibilidade duvidosa com as fantasias de shunga, onde as cortesãs eram mais representadas com os seus “amantes secretos” do que com clientes. Além disso, o objectivo da arte shunga era “sugerir o potencial do sexo em toda a sociedade”, não apenas entre aqueles que podiam frequentar os supracitados distritos. Quase podemos dizer: uma versão democrática do prazer.

Embora tenha sido ilegalizada em 1722, a arte shunga continuou a ser produzida e a circular de forma considerável. Talvez ironicamente, é com a (re)abertura do Japão ao mundo com a restauração Meiji (1868) – que voltou a colocar o imperador como autoridade máxima no Japão e abriu o caminho à extraordinária modernização do país – que a arte shunga inicia um inexorável declínio.
Depois da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), há uma transição entre a tradição shunga e uma iconografia moderna. Para que o Japão fosse aceite como civilizado, o Governo japonês tentou suprimir tradições populares nativas que considerava atrasadas em relação à cultura de classe alta europeia. Isto incluía [teatro] kabuki, [pintura/gravura] ukiyo-e e música de shamisen, assim como shunga”.

Em cinquenta anos, a arte shunga passava de algo comum a algo secreto. “Desde cerca de 1900 a supressão de arte shunga tornou-se vigorosa e por altura do pós-Segunda Guerra tinha-se tornado um tabu em universidades e museus”.

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