É a ficção a melhor forma de contar a História? Cineasta e historiadores acham que é, pelo menos, um meio poderoso de preservar a memória.
O paquete Santa Maria, com 600 passageiros a bordo, foi tomado por um grupo de comandos quando navegava entre Miami e Curaçao. Um membro da tripulação foi morto e outro ferido. Desconhecem-se as intenções dos assaltantes.
Os factos detonadores do filme Assalto ao Santa Maria, de Francisco Manso, cabem num telegrama ou numa notícia.
Mas contar uma história obriga a compor detalhes. Montar um filme obriga a uma acção com ritmo. O filme respeita os factos históricos, mas usou elementos ficcionados. Pode essa alteração mudar o entendimento da História?
Foi a 22 de Janeiro de 1961, em plena ditadura de Salazar, no rescaldo da derrota fraudulenta de Humberto Delgado nas eleições de 1958 e de uma repressão sobre a oposição. Henrique Galvão (1895-1970), antigo capitão de Infantaria, ex-inspector da Administração Colonial e um incómodo deputado da União Nacional por Angola, torna-se dissidente do regime, é preso, evade-se, refugia-se na Argentina e cria em 1960 - com antifascistas espanhóis - o Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL). É aí que se lança na aventura do assalto ao paquete. E é aí que começa o filme. Como um documentário. Fotografias a preto e branco de um povo descalço ao lado de salões de chá. Mas é só para enquadrar o que se seguirá a cores.
Francisco Manso conta que, inicialmente, o filme era para estar centrado na vida de Henrique Galvão. Mas as dificuldades em reunir a verba suficiente - o filme ficou por um milhão de euros - obrigaram-no a basear-se no episódio do assalto e nos 13 dias de tensões no navio desviado. "A minha ideia principal foi contar a preocupação daquele grupo de homens e o efeito que acabou por ter no isolamento internacional do regime de Salazar", afirma Francisco Manso.
"A História é um pouco subvertida porque se fizeram opções", mas não crê ter adulterado a História. A parte ficcionada - nomeadamente um romance entre um dos assaltantes e a filha de um coronel do exército fascista - foi a forma de atenuar a "história real, que era uma história pesada". Visou-se animar o ritmo do filme e cativar diversos públicos. Um interessado na História e outro, mais jovem, aliciado pela história que se conta. Esta fusão entre a ficção e a História é um velho debate. Mas os historiadores convivem bem com essa mistura.
Francisco Teixeira da Mota, advogado, investigador da vida de Henrique Galvão e consultor histórico da equipa técnica do filme, não se sente nada incomodado com a "forma híbrida". "Vejo-a mais como fazendo parte do entretenimento", um esforço de reconstituição que "não tem de ser factual".
Da mesma forma, Fernando Rosas, historiador e presidente do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, acha que, "como historiador e como cidadão, tudo o que sejam esforços honestos para retratar a realidade histórica são esforços positivos". E este filme "retrata com fidelidade essencial os acontecimentos do assalto".
Camilo Mortágua, um dos assaltantes, conta nas suas memórias (Andanças para a Liberdade, Esfera do Caos) que a operação foi montada sem recursos e minada pela desorganização, pelas desavenças no DRIL. "Meia dúzia de pobretanas, superiormente mobilizados e motivados para combates indefinidos", lançados na operação chamada Dulcineia, por um Dom Quixote.
O filme, continua Rosas, "dá bem esse carácter de aventura, de golpe de mão, que era o espírito que o Galvão emprestava a estas coisas", ao invés da estratégia do PCP, interessado na luta de massas. E Teixeira da Mota vê Galvão no "papelão" de Carlos Paulo. Até a magreza sob o caqui lhe vai bem.
O assalto foi, nas palavras de Rosas, um "espantoso acto de pirataria". Só a alteração da conjuntura internacional - a chegada de Kennedy à Administração norte-americana e a vitória de Jânio Quadros no Brasil - permitiu que, apesar das insistências do Governo português, nada tivesse sido feito para recuperar o navio.
Os assaltantes acabaram até por ser recebidos no Brasil. E foi a primeira das derrotas de Salazar em 1961. "A seguir vem o assalto às cadeias em Luanda", enumera Rosas. A explosão da União dos Povos de Angola (UPA). O golpe do Botelho Moniz. A fuga de Caxias dos dirigentes do PCP. A invasão de Goa, Damão e Diu pela União Indiana. O golpe de Beja.
Tanto Teixeira da Mota como Rosas acham que o filme resulta. "Tem o seu ritmo. E acho que vale a pena ver." Manso, por seu lado, considera ser "importante que este tipo de filmes se faça e que sejam feitos em Portugal", porque "dá a conhecer a relevância da nossa História", que o mundo desconhece. Rosas concorda: "Revela um episódio da resistência à ditadura que provavelmente, se não tivesse sido filmado, seria esquecido."
IPSILON - João Ramos de Almeida
12 comentários:
MUITOS PARABÉNS A VOCÊ, MERECIDOS TODOS OS ELOGIOS QUE A GLORINHA LHE FEZ!
VOCÊ É UMA MULHER E AMIGA MUITO ESPECIAL!
BEIJO
Poxa amiga que sinopse...
Deu vontade de ver o filme e conhecer um pouco mais dessa história.
Como vai você?
Tudo bem?
Bjos pra ti tá.
Caprichou na sinopse e já vou colocar aqui na lista , claro.
Bom dia Manu!
Xeros
Bom dia, Manú, querida!
Nada sabia sobre este episódio da história portuguesa e vou espreitar para vê-lo case passe por aqui, mas o que me deixou um pouco chateada é que, como sempre, o Brasil abre as portas pra todo mundo, inclusive bandidos. Affe!
Gosto muito de conhecer sobre história aqui convosco. Obrigada!
um beijinho carioca
Boa dica querida Manú.São factos da nossa história ,que devem ser publicados e preservados.
Beijinhos meus.
Andava eu nos primeiros anos do Secundário...
Relatos da rádio, propaganda, muita propaganda, os criminosos dos anti-patriotas, bandidos!...
Era o tom do que eu me lembro de ter ouvido no tempo real da época.
Só muito mais tarde é que percebi o que se passava realmente neste país e as reais motivações destes revolucionários que empreenderam uma oposição armada muito arrojada.
De efeitos internacionais e decisivos para a mudança do curso da história de Portugal.
Um abraço, Manuela
António
O filme deve ser muito bom Manu. Não conhecia os fatos e fiquei instigada em saber mais sobre o assunto.
Gosto muito de filmes que contam fatos da história de um povo.
Bjs no coração!
Nilce
Este tipo de filmes servem para nos lembrar e ensinar muito sobre a história. Não tenho visto filmes. Ando num corropio tal que falta tempo para tanta coisa Beijinhos
Interessante Manu.
Assisti a pouquissimos filmes portugueses.
Vou prcurar por aqui.
Bjs.
Feliz da vida com sua visita, vim agradecer e encantei-me com o seu espaço!
Adorei o blog todo e este post em particular. Gosto muito de cinema e sua indicação despertou-me o desejo de ver esta obra, o que farei assim que tiver oportunidade.
Grata, Manú!
Abraço e beijinhos.
Olá Manú querida!
Que interessante este filme deve ser!
Quase não vejo filmes...não sobra tempo de fato.
Mas se tiver uma oportunidade lembrarei dessa sua belíssima indicação.
Me perdoe por não estar vindo com mais freqüência...realmente não estou conseguindo visitar todos os amigos como gostaria...mas "estás cá dentro", viu???
Beijo grande.
Astrid Annabelle
Puxa Manu, me deu vontade de ver...tomara que passa aqui. Deve ser muito interessante. Beijos.
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