Cheguei ao ginásio, arrastando o desejo contrariado de ficar em casa. No balneário estava a Júlia vinha do banho turco, atiro-lhe um olá e o habitual como está.
«Mal, sinto-me mal, enjoada, cheia de dores, nem sei porque vim! Sinto-me como uma vela a extinguir-se!»
Conheço a Júlia há muitos anos. Viveu no prédio onde vivo. Tanto ela como o marido eram economistas e eram pessoas reservadas. Sem filhos, apreciavam muito o silêncio, a tranquilidade e, se nada houve relativamente à minha pequenada, sei que ela teve atritos com outra vizinha por causa das crianças, problemas que chegaram ao tribunal. A Júlia e o marido eram muito simpáticos se me viam, chegaram a convidar-nos para ver a sua casa, mas sempre se manteve uma certa distância. De imediato se notava ser uma pessoa psicologicamente complexa e agora está naquela fase da reforma, do vazio, depois de muita actividade. Começou há pouco a frequentar o ginásio e continua a ser uma pessoa simpática e extremamente educada, a simpatia tem sempre muito a ver com a educação!..
«Precisa de férias!»
«Mas eu estou sempre de férias!» Não posso viajar, tenho muitas dores e depois vivo numa casa excelente, tenho uma paisagem soberba, mar, rio…toda arborizada, tranquilidade completa. Nunca encontraria isto em lado nenhum e depois são as dores, constantes, só passam com cortisona!»
«Pode ser fibromialgia!»
«Já consultei muitos médicos, tenho tentado tudo, essa é uma hipótese, estou sempre com dores, cansada, sonolenta. Só me apetece estar deitada! Já me fizeram uma avaliação psíquica, já fiz acunpultura, agora mandaram-me para o ginásio»
«Mas hoje contrariou a vontade de ficar na cama e veio ao ginásio, valeu! Não gosta de vir ao ginásio? Faz sempre bem o exercício e a convivência!»
«Não sei se faz bem, estou a ficar saturada e eu não gosto muito de conviver!»
Fiquei a olhar para ela, sem saber o que dizer.
«Conhece aquele poema do Ruy Belo, Saudades de Melquisedeque?»
«Não me estou a lembrar…mas não devo conhecer!»
«Sinto bem o que ele diz... de que vale tantas complicações, tantos aborrecimentos…»
Com a entrada de outras colegas, a conversa interrompeu-se, felizmente que há outras disposições, há quem tenha sempre piadas novas, acontecimentos engraçados, sorriso nos lábios, malandrices a fazer. No meu pensamento emergindo de quando em vez, estava a Júlia. Cheguei a casa e a primeira coisa que fiz, foi vir à internet, procurar o poema do Ruy Belo.
Esta manhã gostaria de ter dado ontem
um grande passeio àquela praia
onde ontem por sinal passei o dia
É difícil a vida dos homens senhor
Os anjos tinham outras possibilidades
e alguns deles foi o que tu sabes
Esta terra não está feita para nós
Mesmo que ela fosse diferente
nós quereríamos talvez outra terra
talvez esta de que agora dispomos
Não achas meu senhor que temos braços a mais
dias a mais complicações a mais?
Pra nascer e morrer seria necessário tanto?
Falhamos tantas vezes (Como os judeus que juraram
não comer nem beber até matar paulo
e apesar disso não o mataram)
É difícil a vida difícil a morte.
Por vezes os homens juntam-se todos
ou quase todos e organizam
grandes manifestações. Mas nada disso os dispensa
da grande solidão da morte
de termos de morrer cada um por nossa conta
Todos tivemos pai e mãe
nenhum de nós que eu saiba veio de salém
Difícil para mim falar, com pessoas que estejam num grande negativismo, que se entrincheiram numa barreira, onde batem com ricochete palavras encorajadoras, que já tanto se banalizaram e que depressa podem resvalar para um sentimentalismo de «pacotilha». Júlia também não é uma pessoa com quem se possa argumentar a nível religioso e eu de forma alguma seria a pessoa indicada! Difícil dar ânimo a pessoas com ideias muito convictas, feitas por muitos questionamentos a nível superior. Júlia é uma conhecida, não é uma amiga, não tenho da mesma qualquer conhecimento mais íntimo. Perante pessoas a atravessar crises destas eu sinto-me bastante frustrada, por não conseguir dar algum ânimo, alguma força. Isto tem sido sempre um problema na minha vida, ajudar as pessoas, sem cair na banalidade, na frase feita, até mesmo na mentira da argumentação, porque eu facilmente fico contaminada e o mais verdadeiro seria dar-lhes razão!...A única coisa que realmente aconteceu, foi que ela teve necessidade de desabafar e eu ouvi-a, mas é tão pouco!?...
«Mal, sinto-me mal, enjoada, cheia de dores, nem sei porque vim! Sinto-me como uma vela a extinguir-se!»
Conheço a Júlia há muitos anos. Viveu no prédio onde vivo. Tanto ela como o marido eram economistas e eram pessoas reservadas. Sem filhos, apreciavam muito o silêncio, a tranquilidade e, se nada houve relativamente à minha pequenada, sei que ela teve atritos com outra vizinha por causa das crianças, problemas que chegaram ao tribunal. A Júlia e o marido eram muito simpáticos se me viam, chegaram a convidar-nos para ver a sua casa, mas sempre se manteve uma certa distância. De imediato se notava ser uma pessoa psicologicamente complexa e agora está naquela fase da reforma, do vazio, depois de muita actividade. Começou há pouco a frequentar o ginásio e continua a ser uma pessoa simpática e extremamente educada, a simpatia tem sempre muito a ver com a educação!..
«Precisa de férias!»
«Mas eu estou sempre de férias!» Não posso viajar, tenho muitas dores e depois vivo numa casa excelente, tenho uma paisagem soberba, mar, rio…toda arborizada, tranquilidade completa. Nunca encontraria isto em lado nenhum e depois são as dores, constantes, só passam com cortisona!»
«Pode ser fibromialgia!»
«Já consultei muitos médicos, tenho tentado tudo, essa é uma hipótese, estou sempre com dores, cansada, sonolenta. Só me apetece estar deitada! Já me fizeram uma avaliação psíquica, já fiz acunpultura, agora mandaram-me para o ginásio»
«Mas hoje contrariou a vontade de ficar na cama e veio ao ginásio, valeu! Não gosta de vir ao ginásio? Faz sempre bem o exercício e a convivência!»
«Não sei se faz bem, estou a ficar saturada e eu não gosto muito de conviver!»
Fiquei a olhar para ela, sem saber o que dizer.
«Conhece aquele poema do Ruy Belo, Saudades de Melquisedeque?»
«Não me estou a lembrar…mas não devo conhecer!»
«Sinto bem o que ele diz... de que vale tantas complicações, tantos aborrecimentos…»
Com a entrada de outras colegas, a conversa interrompeu-se, felizmente que há outras disposições, há quem tenha sempre piadas novas, acontecimentos engraçados, sorriso nos lábios, malandrices a fazer. No meu pensamento emergindo de quando em vez, estava a Júlia. Cheguei a casa e a primeira coisa que fiz, foi vir à internet, procurar o poema do Ruy Belo.
Esta manhã gostaria de ter dado ontem
um grande passeio àquela praia
onde ontem por sinal passei o dia
É difícil a vida dos homens senhor
Os anjos tinham outras possibilidades
e alguns deles foi o que tu sabes
Esta terra não está feita para nós
Mesmo que ela fosse diferente
nós quereríamos talvez outra terra
talvez esta de que agora dispomos
Não achas meu senhor que temos braços a mais
dias a mais complicações a mais?
Pra nascer e morrer seria necessário tanto?
Falhamos tantas vezes (Como os judeus que juraram
não comer nem beber até matar paulo
e apesar disso não o mataram)
É difícil a vida difícil a morte.
Por vezes os homens juntam-se todos
ou quase todos e organizam
grandes manifestações. Mas nada disso os dispensa
da grande solidão da morte
de termos de morrer cada um por nossa conta
Todos tivemos pai e mãe
nenhum de nós que eu saiba veio de salém
Difícil para mim falar, com pessoas que estejam num grande negativismo, que se entrincheiram numa barreira, onde batem com ricochete palavras encorajadoras, que já tanto se banalizaram e que depressa podem resvalar para um sentimentalismo de «pacotilha». Júlia também não é uma pessoa com quem se possa argumentar a nível religioso e eu de forma alguma seria a pessoa indicada! Difícil dar ânimo a pessoas com ideias muito convictas, feitas por muitos questionamentos a nível superior. Júlia é uma conhecida, não é uma amiga, não tenho da mesma qualquer conhecimento mais íntimo. Perante pessoas a atravessar crises destas eu sinto-me bastante frustrada, por não conseguir dar algum ânimo, alguma força. Isto tem sido sempre um problema na minha vida, ajudar as pessoas, sem cair na banalidade, na frase feita, até mesmo na mentira da argumentação, porque eu facilmente fico contaminada e o mais verdadeiro seria dar-lhes razão!...A única coisa que realmente aconteceu, foi que ela teve necessidade de desabafar e eu ouvi-a, mas é tão pouco!?...
7 comentários:
De nada vale tentar ajudar aqueles que não se ajudam a si mesmos .A maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar ...
Beijo.
Sabe, Manuela, eu acho que ajudou, só por ter ouvido a sua conhecida. As pessoas, todas, gostam muito que as ouçam. Normalmente, falta quem as queira ouvir.
Apesar de todos terem que ser os primeiros a ajudarem-se a si mesmos, acho que foi óptimo ter falado com ela de poesia. Em conjunto com a música, é das melhores terapias, a meu ver.
Beijinhos!
Olá
Vc fez o que estava a seu alcançe: escutou-a desabafar. Dar força a quem não quer é uma batalha vencida. Pense nisso.
Querida Manuela, ela talvez precisasse apenas de alguém que a escutasse e você o fez.
A sua atençaõ já é uma ajuda.
Um beijo
Ah, cara amiga Manuela, não fizeste pouco, aliás muito fez, pois há pessoas que só querem isso, serem ouvidas, precisam disso apesar do pragmatismo neles enraizado.
Eu sempre fui um espírito de docação neste sentido, dou muito de mim mesma e nem tanto materialmente, mas sinto que é para isso que sirvo neste mundo, para mais ouvir do que falar e tenho feito este papel com boa vontade e carinho, na verdade, tem me trazido grandes recompensas em termos de amizade e crescimento como ser humano.
beijos grandes cariocas
Minha querida, a maioria isola-se e só fica a perder.Têm de aprender por si... e é mau se nos deixamos ficar assim..toca a fugir enquanto é tempo...para nos levar em frente???? para nos puxar com elas??? todas..eu fujo disso, lamento mas não posso deixar-me levar na má onda, adoro o positivismo e faço tudo para me manter serena e em paz com a vida...e se queres rir um cadito vai lá ver o riso...mas foi assim que aprendi onde é o meu!...
beijinho da laura
Manuela,
Pelo que conta, fiquei com a ideia de que a ajudou. Mesmo sem admitir que aprecia o convívio com os outros, a sua colega sentiu a necessidade de falar e a Manuela ouviu-a.
A escolha do poema também me pareceu certeira: às vezes, as palavras dos outros chegam mais longe do que as nossas!
Um abraço.
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