A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»

MARTIN LUTHER KING




quarta-feira, 29 de setembro de 2010

E LÁ CHEGARAM AS MEDIDAS DE AUSTERIDADE...

Foi lançado pela Relógio de Água, através de coordenação da Fundação Francisco Manuel dos Santos, o último dos textos de Saldanha Sanches. Ainda não o li. Mas seguramente não o vou perder. O assunto é o assunto da vida profissional e cívica de Saldanha Sanches: a justiça fiscal.



José Luís Saldanha Sanches não olhava para os impostos como um esbulho aos cidadãos, como a demagogia do pensamento agora dominante os trata. Acreditava na sua função redistributiva e social. Que os impostos podem e devem acertar, digo eu, o que na sociedade está torto.


Mas não ignorava que um sistema fiscal injusto ou incompetente tinha o efeito exactamente oposto. E nunca se calou para o denunciar. E para denunciar, acima de todas as outras coisas, a corrupção, esse cancro que mata os fundamentos da democracia. Nunca o fez com ligeireza. Evitou sempre generalizações. Nunca a usou como arma contra “os políticos”. Falou da corrupção concreta. Fez propostas precisas, no seu campo de saber, para a combater. Indignou-se com os alçapões que dão a quem mais tem a possibilidade de menos contribuir para a comunidade. E não tolerava, como disse a sua mulher no momento das cerimónias fúnebres, “a corrupção, os cobardes e os oportunistas”. Só essa firmeza vale uma vida.


Saldanha Sanches foi um homem corajoso e livre de interesses escondidos que lhe toldassem a razão. Foi corajoso quando por cá não havia democracia. Foi corajoso quando ela chegou. A coragem que antes o levou às prisões do Estado Novo e que depois o levou a encontrar obstáculos à sua progressão académica.


Não terei sempre concordado com ele, como nunca se pode concordar sempre com alguém. Mas ouvia-o sabendo que aprendia com alguém que não dizia nem mais nem menos do que pensava. Não era um dos catastrofista irados que agora tanto estão em voga. Era apenas um homem ética e tecnicamente rigoroso. E que não temia nunca as consequência pessoais por o que dizia. Coisa tão rara neste país demasiado pequeno.


Num momento em que se discutem os impostos e em que todo o debate se resume em saber, por um lado, como conseguir mais dinheiro depressa, e por outro, como conquistar votos rapidamente, interessa-me imaginar o que teria Saldanha Sanches a dizer sobre a forma justa de, em tempo de crise, pedir o contributo dos cidadãos. Porque a sua coragem era racional e a sua razão era corajosa, faz-nos falta agora. Ficou o seu último livro, acabado na cama de um hospital. Que é para ler com atenção.

Daniel Oliveira

2 comentários:

a d´almeida nunes disse...

E nós, o Zé povinho, cá andamos a ser esbulhados e nem piamos!...
Alguns de nós ainda vamos tentando mas contra a força do poder e do dinheiro parece que a barreira é, cada vez, mais labiríntica e intransponível.
Boa lembrança.

Amanhã vou à procura desse livro e lê-lo religiosamente.
As pessoas como Saldanha Sanches não se podem esquecer tão depressa!

Unknown disse...

Saldanha Sanches escreveu não só para Portugal, mas para o mundo todo.
Admiro a sua capacidade e a sua obra.
Para nós, pobres mortais, caiem impostos e mais taxas como tábuas de salvação de governos falidos e podres.