A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»

MARTIN LUTHER KING




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

EU SOU A MINHA PRÓPRIA MULHER

EU SOU A MINHA PRÓPRIA MULHER, de Doug Wright, conta-nos a história apaixonante do travesti alemão Lothar Berfel, que sobreviveu aos vários regimes da Alemanha: ao terror do nazismo, ao regime socialista e ainda depois à queda do Murro de Berlim. Tentou viver ou sobreviver no sistema capitalista, o que faz a sua biografia ser tão extraordinariamente cativante, porque na realidade ela era um homem, que viveu construindo um museu e um cabaret clandestino na cave do museu, por onde circulavam nomes famosos das artes e das letras, como Bertolt Brecht e Marlene Dietrich. Persistente e decidido, nunca se desviando da sua imperturbável e inamovível tendência e personalidade sexual. A verdadeira história de Charlotte Mahlsdorf. Júlio Cardoso em monólogo, interpreta 30 personagens.

Ficha Técnica: Espectáculo comemorativo dos 50 anos de teatro de Júlio Cardoso Autor: Doug Wright Direcção: João Mota Protagonista: Júlio Cardoso
Promotor: Seiva Trupe - Teatro Vivo



Excertos da entrevista:"Agora, o vedetismo é criado pela TV"
De SÉRGIO ALMEIDA


Sou um privilegiado por continuar, ao cabo de 50 anos, a exercer com a paixão e o desassossego de sempre a representação.
Esperançado por natureza, Júlio Cardoso, de 71 anos, acredita que as actuais dificuldades não são uma fatalidade e aponta a aprendizagem permanente como segredo da longevidade. "Ai do actor que julga saber tudo!"
50 anos são o testemunho de uma história não só local como também nacional e universal. Cada vez mais, um actor tem que saber observar e pensar, porque o ser humano vive a uma velocidade tal que pensa apenas em sobreviver e pouco medita nas suas reais capacidades.
Passei, na juventude, por muitas escolas e movimentos com o objectivo de encontrar respostas. Agora, sei que o teatro é fruto de saberes complexos. Não é uma comunicação de massas ou algo abstracto, mas uma arte viva e directa.
O teatro faz parte da própria natureza humana. Há quem venha porque pretende aprofundar o pensamento e interrogar-se sobre o que o cerca, mas a maioria fá-lo por necessidade, obedecendo a razões inconscientes.
O que deve caracterizar um actor é o desassossego permanente. Quanto mais evoluímos, mais inquietos ficamos, porque temos ambição de ir sempre mais além. Essa é a grande tragédia do actor contemporâneo.
O problema do esquecimento de António Pedro foi ele ter criado muitos mais inimigos do que admiradores. Como estava muito acima da média, sofria com o ódio dos outros. A inveja só nos torna mais pequenos.
É preciso saber gerir uma carreira. Estar sempre no apogeu também cansa e, por esse motivo, temos que saber escolher as alturas certas para abraçarmos determinados projectos. Orgulho-me de ter sabido dizer "não" nas alturas certas.
Uma das principais lições que aprendi com os mestres foi a de entregar-me ao máximo, quer esteja a actuar para 500 pessoas ou para uma. Esse único espectador pode ter feito muitos quilómetros para nos ver e merece o máximo respeito.
Posso morrer hoje, mas não deixo de ser um dos maiores milionários de sonhos do país.
Para singrar é preciso ir para Lisboa, mas uma cidade como o Porto deveria ter orgulho em ter duas escolas superiores de teatro. O que vemos, contudo, é uma região a definhar a vários níveis. Acredito que o país só vai melhorar quando a região Norte, e o Porto em particular, voltar a registar índices de crescimento elevados.
Eu não fui para Lisboa. O Porto, já dizia o Garrett, é uma cidade madrasta para os seus artistas. Quando o Manoel de Oliveira é obrigado a produzir os seus filmes em Lisboa, está tudo dito. Do Porto têm saído propostas fantásticas, mas só atingem esse estatuto depois de chegarem à capital do império.
Estou esperançado que, com a regionalização, haja uma inversão do actual estado de coisas.

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