Gosto de recordar a minha infância, um tempo que para mim foi feliz. Vivia numa casa enorme, com jardim e quintal e onde eu era uma «princesa». Nesse tempo, o convívio era diferente e mais chegado entre todos e eu era uma «andarilha». Lembro-me muito bem das pessoas, fecho os olhos e, vejo-as, tal qual eram. O tempo levou-me para outros sítios e essas pessoas foram-se perdendo. Essa casa enorme, era da Tia Mena, uma senhora que me inibia, mas a irmã, a Tia Mimi, que andava entre o Porto e Lisboa, era muito mais querida e muito mais doce. Eu lembro-me que era uma vítima de clisteres, se tinha algum problema, lá vinha aquela porcaria a caminho, para a minha mãe era a primeira terapia de ataque. Eu detestava e então fazia «fita» e dizia, só deixo se for a Tia Mimi a dar-me e lá vinha a Tia Mimi. O melhor quando estava doente, era a sopinha de dieta com vitela.
Desse tempo lembro-me… Da Bertinha, uma senhora de meia-idade, que trabalhava em casa a enfiar etiquetas para as fábricas, as etiquetas antigamente tinham uma pequena chapinha com um orifício, metia-se um fio especial e depois dava-se um nó, eu ia ajudá-la e conversar. Da Teresa e do Pedro, nem me lembro o que faziam, eu gostava muito deles e estava sempre à espera que me dessem um prato de sopa, porque para mim a sopa deles era muito boa, deitavam um bocadinho de vinho no fim e diziam que era por causa da tuberculose. A minha mãe não sabia, nem podia saber! Eu tinha essa mania, gostava muito de comer na casa dos outros e a minha mãe não gostava nada!.. A D. Irene, mãe do Pedro, a D. Ernestina e o Sr. Fernando. Para a D. Ernestina sem filhos eu era como uma filha, o Sr. Fernando também era meu amigo, só que era um protestante fundamentalista e toda a gente fugia dele, por causa do blá-blá. A vizinha do lado a D. Rosa, vivia numa brutal vivenda e enchia-me de chocolates. A D. Rosa era amante de o carismático empresário do norte, que explorava o Teatro Sá da Bandeira e trazia ao Porto os grandes espectáculos, inclusive grandes companhias de circo. Era uma senhora tratada com toda a deferência, nessa altura até motorista tinha! Não me sentia muito à vontade na chiquíssima casa dela e ia lá poucas vezes. Do outro lado era a casa da Sr.ª. Viscondessa, não sei se era viscondessa ou não, era conhecida assim e eu ia muitas vezes brincar com a neta e comer arroz cozido, com bife passado. Também ia a casa da Lolita, havia um grande espaço para a brincadeira, porque o pai, era fiel de uma fábrica de tecidos, onde viviam. Gostávamos muito de brincar, como se fossemos operárias da fábrica, ao domingo, quando os trabalhadores não estavam, lá íamos para os teares no «faz de conta» e depois a mãe da Lolita arranjava-nos um lanche, que íamos comer à cantina dos operários, pão e azeitonas, que era aquilo que comiam e que nós queríamos. Também brincávamos com os ratos-chinos, que metíamos num grande tanque sem água, para eles não fugirem, eram os nossos filhos e pescávamos cabeçudos num grande latão com água inquinada.
Por essa altura tive o meu primeiro namoro, naquela idade o amor!… Não passava de olharmos um para o outro e ficarmos coradinhos. Sempre inibidos um com o outro, lá íamos brincando. Nem me lembro do nome dele!..Também por essa altura tive o meu primeiro confronto com o sexo oposto, ele era neto da D. Irene, mas estragava-me sempre as brincadeiras e coitado do miúdo não tinha o céu-da-boca e não falava, só berrava. Fui mazinha, porque um dia irritou-me e mandei-lhe um pontapé, que foi cair entre as suas pernas, resultado o miúdo desmaiou e eu? Fiquei aflita, fui logo de castigo para casa e nesse dia não saí mais!..
Tenho saudades destas pessoas, muitas delas já não é possível rever, mas estão bem guardadas na minha memória.
8 comentários:
Eras fresca, eras...
LOL
Eu ainda me lembro do nome do meu primeiro amor. Como poderia esquecer?
Beijo
"Pegamos o telefone que o menino fez com duas caixas de papelão e pedimos uma ligação com a infância."
Beijo «princesa».
Uma infância feliz :))
Gostei muito de ler as suas memórias, Manuela, pois foi como se também eu conhecesse todas essas pessoas que povoaram os seus tempos de meninice. Retratadas assim, ficaram deveras cativantes.
Um abraço e votos de um excelente domingo!
Manuela
As pessoas, quando ficam encravadas em nossa memória e no nosso coração, eternizam-se!
Lindas lembranças!
Para a gente que lê, principalmente de outro País, ainda que irmão de Portugal, é tudo tão diferente, é como se lêssemos um romance de um desses grandes autores!
Pérai? Que falo eu? Não será a amada Manuela uma grande autora?
Lógico que é! Lógico que é!
Grandes autores se fazem com histórias e textos, e, ambos, Manu, tu as tens aos montes!
Bom demais te ver por aqui, pelo e-mail te vejo sempre!
Ansioso por novos e-mails e visitas suas, sempre tão iluminadas!
Hola Manuela, eu coma ti teño tamen grandes recordos da miña infancia.
Acordome de alguns dos meus amigos, xa que por aqueles tempos si eramos amigos, o que tiña un era de todos, dispois non foi así.
De moitos deles non sei nada, cousas da vida, un biko.
Nes
Belas lembranças. Gostei de ler :-)
O rapazinho da foto é o primeiro namorado, cujo nome não recorda?
Abraço
Ehhh, só me lembro que fiz como tu, ia no Paquete Principe Perfeito, tinha 10 anos iamos a caminho de Luanda, bem, o que o puto fez que me chateoou já nem sei, mas lembro seguramente que lhe dei um pontapé entre pernas, e, o desgraçado chorava que metia dó e ainda me ralharam, bolas, aposto que ele se meteu comigo...anos mais tarde quando a senhora que ia connosco no barco eramos amigoss da familia, dizia, ai laurinha isso não se fazia, não se pdoe nem deve bater aos meninos ali, e eu sabia lá, e calhou ser 'ali' ehhhhhh..Beijinhos e que nina bem mexida tu eras ó moça!... laura
Delicias de memórias...devias escrever um livro...desse jeito cativante, nos enleva, nos faz sonhar...desse jeito tão gostoso que os nossos irmãos lusitanos tem de contar os causos...
Fico inebriada ao ler-te e ao Manoel, à Graça, aos meus tão queridos amigos de Portugal.
Beijinhos.
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