Calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa de madrugada;
regressa a casa é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue de afogueada;
saltam-lhe os peitos na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda,
ciranda,
desaustinada;
range o soalho a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
António Gedeão, in 'Teatro do Mundo'
13 comentários:
Que maravilha de poema!
Resume tudo o que é ser mulher!
Queria saber pq não há o dia internacional do homem...
Maravilhoso, sensível e verdadeira mostra do que é ser mulher, todos os dias, subindo as calçadas da vida.
Beijos querida, Manu...a mais bela homenagem que vi hoje foi a tua.
Nossa! É bem por aí viu! Somos Luizas. Não paramos! rs... Parabéns pelo seu dia!Montão de bjs e abraços carinhosos
É redutor dizer que é um lindo poema. Mas é um facto que é lindo...
Um abraço especial para ti, hoje!
Amigas obrigada,
Sempre gostei muito deste poema, porque transmite bem o rame-rame cansativo, das trabalheiras que tem uma mulher, que nunca são muito valorizadas.
Beijinhos,
Manuela
Pobres Luisas
pobres Marias
queridas Rosas
sofridas Sofias .
Pobres mulheres crivadas de dor
nos rostos cansados
sobem escadas percorrem estradas
com coisas pesadas
e os maridos chegam de mãos abanadas
que em casa se tornam pesadas...
enfim minha querida Manuela, é o pão de cada dia na vida de muitas mulheres sofridas...Um abraço e feliz dia, laura
Um pouco de Luiza em cada uma de nós. bjs querida! bom te ler de novo.
e legal
Ele soube com maestria de um sábio poeta fazer-nos mergulhar no espelho de Luiza...
Gosto da poesia dele.
Um beijo e agradeço a visita carinhosa e palavras!
Este poema de António Gedeão, retrata a vida de muitas mulheres...bem realista, infelizmente!
Obrigada pelo elogio ao meu poema sobre a mulher!
Recordei um poema que desde a escola primária não via. Isto é uma preciosidade.
Parece que todos subimos a ladeira com a Luísa.
Transporta o cansaço e as preocupações,passa na vida sem se lembrar da sua própria vida.
Manuela
Que bela poesia e (infelizmente)que adequada para este e todos os dias quando se fala de mulheres!
Obrigada por nos trazer este belo poema de Gedeão.
Beijinhos
Alcinda
Com um beijo
deixo...
a minha poesia
8 DE MARÇO
Dia da Mulher
Mulher que foi criança...
Mulher que foi menina...
E que rápidamente cresceu...
E quando cresceu...
Tornou-se mulher...
E aí o ser que é...
Mulher... Mulher...
Mulher... Mãe...
Mulher... Avó...
Mulher... Gente...
Porque ser Mulher...
É canalizar tudo...
Tudo e todos...
E tudo gira em seu redor
E quase sempre...
Julga-se insubstituível...
No trabalho... na organização...
Na estrutura do lar...
E a Mulher... esquece-se tantas vezes...
Que também é gente...
Que precisa de ser ela própria...
De viver...
De gostar de si...
E quando consegue...
Que isto aconteça...
Ela é verdadeiramente... Mulher!...
LILI LARANJO
Uma excelente escolha para o Dia da Mulher! António Gedeão e a sua sensibilidade a analisar um dia de uma mulher.
Beijinhos.
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