A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»

MARTIN LUTHER KING




sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O LIVRO DO DESASSOSSEGO - BERNARDO SOARES

Bernando Soares visto por Fernando Pessoa
« Há em Lisboa um pequeno numero de restaurantes ou casas de pasto em que , sobre uma loja com feitio de taberna decente se ergue uma sobreloja com uma feição pesada e caseira de restaurante de villa sem comboios. Nessas sobrelojas, salvo ao domingo pouco frequentadas, é frequente encontrarem-se typos curiosos, cara sem interesse, uma série de apartes na vida.O desejo de socego e a conveniência dos preços levaram-me, em período da minha vida, a ser frequente em uma sobreloja d’essas.Succedia que quando calhava jantar pelas sete horas quasi sempre encontrava um individuo cujo aspecto, não me interessando a principio, pouco a pouco passou a interessar-me.Era um homem que aparentava trinta anos, magro, mais alto que baixo, curvado exageradamente quando sentado, mas menos quando em pé, vestido com um certo desleixo não inteiramente desleixado. Na face pállida e sem interesse de feições um ar de soffrimento não acrescentava interesse, e era diffícil definir que espécie de soffrimento esse ar indicava – parecia indicar vários, privações, angustias, e aquele sofrimento que nasce da indifferença que provem de ter soffrido muito.Jantava sempre pouco, e acabava fumando tabaco de onça. Reparava extraordinariamente para as pessoas que estavam, não suspeitosamente, mas com um interesse especial; mas não as observava como que prescrutando-as, mas como que interessando-se por elas sem querer fixar-lhes as feições ou detalhar-lhes as manifestações de feitio. Foi esse traço curioso que primeiro me deu interesse por ele.Passei a vel-o melhor. Verifiquei que um certo ar de intelligencia animava de certo modo o incerto as suas feições. Mas o abatimento, a estagnação da angustia fria, cobria tão regularmente o seu aspecto que era difícil descortinar outro traço além d’esse.Soube incidentalmente, por um creadro do restaurante, que era empregado de commercio, numa casa alli perto.Um dia houve um acontecimento na rua, por baixo das janellas – uma scena de pugilato entre dois indivíduos. Os que estavam na sobreloja correram às janellas, e eu também, e também o individuo de quem fallo.Troquei com elle uma phrase casual, e elle respondeu no mesmo tom. A sua voz era baça e tremula, como a das creaturas que não esperam nada, porque é perfeitamente inútil esperar. Mas era porventura absurdo dar esse relevo ao meu collega vespertino de restaurante.Não sei porquê, passámos a cumprimentarmo-nos desde esse dia. Um dia qualquer, que nos appoximara talvez a circumstancia absurda de coincidir virmos ambos jantar as nove e meia, entrámos em uma conversa casual. A certa altura elle perguntou-me se eu escrevia. Respondi que sim. Fallei-lhe da revista “Orpheu” que havia pouco apparecera. Elle elogiou-a bastante, e eu então pasmei deveras. Permitti-me observar-lhe que estranhava, porque a arte dos que escrevem a “Orpheu” soe ser para poucos.Elle disse-me que talvez fosse dos poucos. De resto, accrescentou, essa arte não lhe trouxera propriamente novidade: e timidamente observou que, não tendo para onde ir nem que fazer, nem amigos que visitasse, nem interesse em ler livros, soía gastar as suas noites, no seu quarto alugado, escrevendo também. »
Fernando Pessoa

Para ler «O Livro do Desassossego vá ao site.
http://adcliteratura.com.sapo.pt/Livro_do_Desassossego.htm


4 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

Caramba, Manuela!
Este filho do génio inquieto e agitado de Fernando Pessoa é um dos meus livros de cabeceira, companheiro com que, quase todas as noites, converso antes de adormecer.
Encantado, por encontrar aqui esta sugestão de leitura e o link indicado. O Livro do Desassossego, porém, é das obras que devemos ter connosco, fisicamente (é, apenas, a minha opinião).
Depois de ler o seu post abri-o.
"TENHO QUE ESCOLHER o que detesto - ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra."
Beijinhos

Manuela Freitas disse...

OLá Carlos,
Há uns anos, desde que fui adquirindo toda a obra de Fernando Pessoa e «O Livro do Desassossego», que esta obra não deixa de ser consultada!
Andei passeando por sites e fui descobrindo certas coisas, como esse que indico e que é a minha sugestão, para as pessoas que desconhecem o livro, possam ir lá espreitar, para ver como é.
Muitos beijinhos,
Manuela

Paula Raposo disse...

Já o tentei ler- o livro do desassossego- não consegui.
Beijos.

Sonia disse...

Textos bons tem é aqui!!!
Muitos informativos!!!
Amo a entrada do seu blog com essa luz!!!
Bjsss ... amiga!