A emotividade do romantismo e o imediatismo do realismo, são os pilares da obra prima monumental de Géricault. A "Jangada da Medusa" denunciou um naufrágio e a corrupção do regime mas, o que o pintor pretendia era o reconhecimento. Foi exposto no Salon de Paris, em 1919. Aí realizavam-se essencialmente exposições, com fins políticos, mas também artísticos. Os Bourbon haviam regressado ao trono de França, em 1814, com a queda de Napoleão e usavam este salão para demonstrar a prosperidade e a estabilidade da nação. Assim os critérios de selecção para participar na exposição determinavam que os artistas tivessem de ser pró-regime ou pró-igreja (a grande aliada dos Bourbon) e realizassem obras que enaltecessem o poder vigente. Dois terços dos quadros tratavam cenas da vida dos santos, enquanto os restantes prestavam tributo aos monarcas franceses.
Sem bajulações ao regime, o quadro de Géricault, baseou-se no naufrágio da "Medusa", que a corte preferia esquecer. Géricault, no entanto, não pintou o quadro por razões políticas e ficou surpreendido, de o rei não o ter comprado. Os critérios dos críticos foram mais políticos do que artísticos.
Para realizar "A Jangada da Medusa", Géricault socorreu-se de várias fontes. Conversou com dois sobreviventes (Savigny - médico, Corréard - cartógrafo). O pintor pretendeu pintar uma obra realista, mas o quadro acabou por não obedecer aos cânones realistas.
A análise da obra revela pormenores pouco realistas: Jean Charles, o negro que acena no ponto mais alto do quadro, tem os músculos bem vincados nas costas aparentando boa alimentação. Nada mais falso, porque depois de treze dias sem comer os músculos ficam reduzidos e notam-se as saliências dos ossos na pele. Também nos relatos de Savigny e Corréard sublinhava-se que a pele dos homens estava queimada do sol e coberta de crostas e feridas. Não há sinais disto no quadro. Os cadáveres também não se apresentam azulados mas evidenciam, sim, uma lividez idealizada. Outra antinomia verificada é a barba feita e o cabelo cortado tanto dos mortos como dos vivos. Os relatos falam de cabelos longos e desgrenhados.
Apesar da imensidão real do mar, a tela atribui-lhe pouca importância. Durante o episódio que deu origem ao quadro aconteceram cenas de canibalismo embora essa certeza não esteja documentada no quadro. Nos estudos preliminares, apareciam dois homens nus a alimentarem-se de um cadáver mas, na época, o canibalismo era tabu. Apesar disso, a obra comporta uma referência a esse nível: uma figura paternal segura o cadáver de um jovem, o que simboliza a figura do conde Ugolino, objecto de múltiplas representações em pinturas contemporâneas. A lenda de Ugolino conta que ele foi preso pelos seus inimigos, juntamente com os filhos e netos, numa torre. Quando as crianças morreram ele tentou manter-se vivo ao alimentar-se da sua carne. Na lenda como na jangada a fome sobrepõe-se ao humanismo.
A monumentalidade, tanto em formato como em execução, é uma das características estilísticas da pintura histórica, um género bastante apreciado na época. A pintura histórica "demonstrava" se um artista era realmente talentoso ou não. No entanto, a fluência estilística e a concentração temática (acontecimentos dramáticos ou famosos da história nacional, Cristo ou a Antiguidade) eram os principais requisitos da pintura histórica e "A Jangada da Medusa" não os contemplou. Sem a concretização do realismo idealizado pelo autor, "A Jangada da Medusa" é só um testemunho poderoso do estado de alma do ser humano em sofrimento.
[O primeiro relato sobre o naufrágio da "Medusa" foi publicado por Henri Savigny, médico e um dos 10 sobreviventes. Géricault pintou-o ao lado direito do mastro com um outro sobrevivente, o cartógrafo, Alexandre Corréard.]
A análise da obra revela pormenores pouco realistas: Jean Charles, o negro que acena no ponto mais alto do quadro, tem os músculos bem vincados nas costas aparentando boa alimentação. Nada mais falso, porque depois de treze dias sem comer os músculos ficam reduzidos e notam-se as saliências dos ossos na pele. Também nos relatos de Savigny e Corréard sublinhava-se que a pele dos homens estava queimada do sol e coberta de crostas e feridas. Não há sinais disto no quadro. Os cadáveres também não se apresentam azulados mas evidenciam, sim, uma lividez idealizada. Outra antinomia verificada é a barba feita e o cabelo cortado tanto dos mortos como dos vivos. Os relatos falam de cabelos longos e desgrenhados.
Apesar da imensidão real do mar, a tela atribui-lhe pouca importância. Durante o episódio que deu origem ao quadro aconteceram cenas de canibalismo embora essa certeza não esteja documentada no quadro. Nos estudos preliminares, apareciam dois homens nus a alimentarem-se de um cadáver mas, na época, o canibalismo era tabu. Apesar disso, a obra comporta uma referência a esse nível: uma figura paternal segura o cadáver de um jovem, o que simboliza a figura do conde Ugolino, objecto de múltiplas representações em pinturas contemporâneas. A lenda de Ugolino conta que ele foi preso pelos seus inimigos, juntamente com os filhos e netos, numa torre. Quando as crianças morreram ele tentou manter-se vivo ao alimentar-se da sua carne. Na lenda como na jangada a fome sobrepõe-se ao humanismo.
A monumentalidade, tanto em formato como em execução, é uma das características estilísticas da pintura histórica, um género bastante apreciado na época. A pintura histórica "demonstrava" se um artista era realmente talentoso ou não. No entanto, a fluência estilística e a concentração temática (acontecimentos dramáticos ou famosos da história nacional, Cristo ou a Antiguidade) eram os principais requisitos da pintura histórica e "A Jangada da Medusa" não os contemplou. Sem a concretização do realismo idealizado pelo autor, "A Jangada da Medusa" é só um testemunho poderoso do estado de alma do ser humano em sofrimento.
[O primeiro relato sobre o naufrágio da "Medusa" foi publicado por Henri Savigny, médico e um dos 10 sobreviventes. Géricault pintou-o ao lado direito do mastro com um outro sobrevivente, o cartógrafo, Alexandre Corréard.]
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