A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»

MARTIN LUTHER KING




segunda-feira, 19 de outubro de 2009

DYLAN THOMAS (1914-1953)


Poucos escritores, do século XX escreveram como Dylan Thomas. Apesar da sua vida ter sido transformada em algo banal por muitos ditos “analistas e críticos”. O poeta galês foi um dos maiores do século passado. A sua personalidade polémica chamava a atenção e talvez por isso tenham transformado o seu nome em algo simplório, quando devia acontecer exactamente o contrário. Apesar de pobre, bêbado, mulherengo e habitante de um pequeno país, tornou-se famoso no mundo inteiro.Como poeta, Dylan Thomas, é vivaz nas suas poesias. Dono de uma inspiração jocosa tem um estilo delicado, repleto de nostalgia, e atento ao ritmo dos versos. Cadenciava os versos com a ternura de quem conhece os sonhos. Como escritor foi inigualável. O seu conto, Uma História, apresenta-o como dono de uma piedade fraterna, mas também transmite raiva, ternura e escárnio. Nenhum na sua época o iguala nesse sentido. Enquanto suas poesias mostram tons de vibração incontida e narrativa impecável, os seus contos trazem alívio às situações de amor e de morte, que envolvem o seu contexto poético.
EM MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA
Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.
Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.
(tradução:
Ivan Junqueira)
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POEMA DE OUTUBRO
Era o meu trigésimo ano rumo ao céu
Quando chegou aos meus ouvidos,
vindo do porto e do bosque ao lado,
E da praia em poçada de mexilhões
E sacralizada pelas garças
O aceno da manhã
Com as preces da água e o grito das gralhas e gaivotas
E o chocar dos barcos contra o muro emaranhado de redes
Para que de súbito
Me pusesse de pé
E descortinasse a imóvel cidade adormecida.
Meu aniversário começou com as aves marinhas
E os pássaros das árvores aladas esvoaçavam o meu nome
Sobre as granjas e os cavalos brancos
E levantei-me
No chuvoso Outono
E perambulei sem rumo sob o aguaceiro de todos os meus dias.
A garça e a maré alta mergulhavam quando tomei a estrada
Acima da divisa
E as portas da cidade
Ainda estavam fechadas enquanto o povo despertava.
Toda uma primavera de cotovias numa nuvem rodopiante
E os arbustos à beira da estrada transbordante de gorjeios
De melros e o sol de Outubro
Estival
Sobre os ombros da colina,
Eram climas amorosos e houve doces cantores
Que chegaram de repente na manhã
pela qual eu vagava e ouvia
Como se retorcia a chuva
O vento soprava frio no bosque ao longe
que jazia a meus pés.
Pálida chuva sobre o porto que encolhia
E sobre o mar que humedecia a igreja do tamanho de um caracol
Com seus cornos através da névoa e do castelo
Encardido como as corujas
Mas todos os jardins
Da Primavera e do Verão floresciam nos contos fantásticos
Para além da divisa e sob a nuvem apinhada de cotovias.
Ali podia eu maravilhar-me
Meu aniversário
Ia adiante mas o tempo girava em redor.
Ao girar me afastava do país em júbilo
E através do ar transfigurado e do céu cujo azul se matizava
Fluía novamente um prodígio do verão
Com maçãs
Pêras e groselhas encarnadas
E no girar do tempo vi tão claro quanto uma criança
Aquelas esquecidas manhãs em que o menino passeava com sua mãe
No meio das parábolas
Da luz solar
E das lendas da verde capela
E pelos campos da infância duas vezes descritos
Pois as suas lágrimas me queimavam as faces
e o coração se enternecia em mim.
Esses eram os bosques e o rio e o mar
Ali onde um menino
À escuta
No Verão dos mortos sussurrava a verdade do seu êxtase
Às árvores e às pedras e ao peixe na maré.
E todavia o mistério
Pulsava vivo
Na água e nos pássaros canoros.
E ali podia eu maravilhar-me com meu aniversário
Que fugia, enquanto o tempo girava em redor.
Mas a verdadeira
Alegria da criança há tanto tempo morta cantava
Ardendo ao sol.
Era o meu trigésimo ano
Rumo ao céu que então se imobilizara no meio-dia do Verão
Embora a cidade repousasse lá em baixo
coberta de folhas no sangue de Outubro.
Oh, pudesse a verdade de meu coração
Ser ainda cantada
Nessa alta colina um ano depois.
.(tradução:
Ivan Junqueira)
.
A LUZ IRROMPE ONDE NENHUM SOL BRILHA
A luz irrompe onde nenhum sol brilha;
onde não se agita qualquer mar,
as águas do coração
impelem as suas marés;
e, destruídos fantasmas
com o fulgor dos vermes nos cabelos,
objectos de luz
atravessam a carne onde nenhuma carne reveste os ossos.
Nas coxas, uma candeia
aquece as sementes da juventude e queima as da velhice;
onde não vibra qualquer semente,
arredonda-se com o seu esplendor das estrelas
o fruto do homem;
onde a cera já não existe,
apenas vemos o pavio de uma candeia.
A manhã irrompe atrás dos olhos;
e da cabeça aos pés desliza
tempestuoso o sangue
como se fosse um mar;
sem ter defesa ou protecção,
as nascentes do céu
ultrapassam os seus limites
ao pressagiar num sorriso o óleo das lágrimas.
A noite, como uma lua de asfalto,
cerca na sua órbita os limites dos mundos;
o dia brilha nos ossos;
onde não existe o frio, vem a tempestade desoladora abrir
as vestes do Inverno;
a teia da Primavera desprende-se nas pálpebras.
A luz irrompe em lugares estranhos,
nos espinhos do pensamento
onde o seu aroma paira sob a chuva;
quando a lógica morre,
o segredo da terra cresce em cada olhar
e o sangue precipita-se no sol;
sobre os campos mais desolados,
detém-se o amanhecer.
( tradução:
Fernando Guimarães)
.
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ESTE PÃO QUE VENHO ABRIR
Este pão que venho abrir foi outrora centeio,
este vinho sobre uma ramada desconhecida
ficou submerso nos seus frutos;
o homem em cada dia, em cada noite o vento
arrancaram a alegria dos cachos e derrubaram as searas.
Com o vinho, outrora o sangue de Estio
palpitava na carne que ornamentava a videira,
outrora neste pão
era feliz sob o vento o centeio;
mas o homem despedaçou o sol e abateu o vento.
Esta carne que despedaças, este sangue
que traz a desolação pelas veias,
eram os cachos e o centeio
nascidos das raízes e da seiva dos sentidos;
este meu vinho que bebes,
este pão de que te alimentas.
( tradução:
Fernando Guimarães)
.
Atravessei a ponte de pedra e musgo,
Escorregando nas pedras cinzentas polidas,
O céu carregado de cores sombrias,
Pintura em pastel e óleo de mãos de mestre.
Atravessei a ponte e segui a estrada velha
Entre os carvalhos, plátanos e ciprestes,
Cai uma chuva fina que me amaciava o espírito,
Meus passos cantavam solitários.
Junto ao muro de pedras velhas e pequenos arbustos,
Doce visão, bela mulher de anos frescos,
Olhos verdes, cabelos vermelhos de fogo
Descansa de bicicleta ao lado.
Sorrio como brilham os loucos
E atrapalhado escorrego no empedrado molhado,
Levanto-me entre risos de vento
E cumprimento-a esticando a mão.
Descansava a deusa e ajudei-a a subir para
O seu transporte e indiquei-lhe o caminho
Desejado para a hospedaria dos sete caminhos
Onde a família a esperava.
Acompanhei-a, apresentando-me como o caminhante
Dos passos perdidos e das eiras desencontradas,
Diz-me o nome, bela ninfa das sombras da chuva,
Para mim sorristes, o mais belo sol.
Um beijo de despedida e prometi acompanhá-la
Às veredas do entardecer,
Amanhã lá estarei entre quedas e bátegas de água celestial,
À espera da tua presença que perseguirei nos campos verdes.

2 comentários:

A disse...

Excelente post.
A criação de D. Thomas não pode ser medida pela vida pessoal, da mesma maneira que Hemingway também produziu obra de valor singular e, enquanto pessoa, protagonizou inúmeros casos de violência doméstica... isto já para não referir os casos de Blanchot, Picasso,etc...
Obrigada por relembrar o poeta e pela publicação dos textos.

Maria Cintia Thome Teixeira Pinto disse...

Tudo aqui é energia

Mas este Poeta, é como se as palavras escorressem juntas às minhas lágrima,. Olha que 'como' poesia , mas nunca eu havia nada lido desse moço Poeta...
Parabe´sn. Tornei-me fã ...ab